Pequena dissertação sobre a Música Improvisada em Portugal
`Tá-se Bem !…
" Há duas coisas no mundo
que não posso compreender :
ser padre e ir para o inferno,
ser médico e morrer. "
( provérbio popular )
" Há três coisas no mundo
que não consigo compreender :
ser padre e ir para o inferno,
ser médico e morrer,
ser improvisador e afinal não ser. "
( adaptação minha do citado provérbio popular )
Os
aspirantes a improvisadores em Portugal, são como os meninos de Deus:
desconhece-se o seu passado ou o seu futuro ( nunca os vi mais novinhos
ou mais velhos ), só tomamos conhecimento deles, no habitual package de
dois, a mesma idade, a mesma altura, a mesma cor de cabelo, a mesma
camisa branca e gravata de cor opcional.
Da mesma forma, quando reparamos nos A.I. , já eles deram concertos, ganharam prémios ou bolsas, ou gravaram CDs.
Aparecem
do nada, não se sabe bem como, sem qualquer preparação ou domínio
técnico do instrumento ( tradicional ou invulgar ), tentando papaguear
mal um qualquer improvisador estrangeiro de renome, copiando o seu modus
operandi.
Sofrem normalmente de cleptofonia , lêem a Wire, e têm 72 CDs do John Zorn.
Os A.I. mais chiques, referem frequentemente em conversas ou entrevistas assuntos como:
• Improvisação idiomática e não idiomática.
• Composição em tempo real.
• Microtonalidade
• O papel do Caos e da aleatoriedade na morte da Princesa
Diana.
O
tema que gira em volta do idiomático ou não idiomático, eis a questão é
particularmente querido aos A.I. , pois os que não sabem tocar pívia
são em geral não idiomáticos, os que já sabem uns acordes ou soletrar um
esboço de um solo são idiomáticos.
A frase compor em tempo real , é
utilizada pelos A.I. mais como um subterfúgio curricular: além de
improvisadores, passam a ser por tabela, também, compositores ( é o
famoso dois- em- um… ).
A Microtonalidade dá jeito: como normalmente tocam desafinado, nada melhor que rotular inteligentemente esse handicap.
O
Caos e o Aleatório têm também um papel importante na sintaxe dos A.I. :
em qualquer lugar ou em qualquer momento ( em especial quando se
enganam ), usam sistemas caóticos e aleatórios nas suas improvisações,
bem como especulam sobre as suas utilizações noutros acontecimentos
extra-musicais, como o citado acidente de Diana.
Vão assistir aos
concertos de outros A.I., pois só assim conseguem ter um público fiel,
importante para a manutenção do titulo ( o de improvisador ).
Uma
coisa é certa: não existem maus improvisadores em Portugal. Pode é
dar-se o caso de um ou outro concerto, não ter sido dos melhores…
A critica é cautelosa: ou anuncia que vai haver o concerto, ou diz que já foi.
O
público é também cauteloso: pelo sim, pelo não, bate-se sempre palmas,
não vão parecer que são estúpidos e que não compreenderam nicles do que
se passou.
Um famoso impressor disse um dia que as primeiras
impressões de um impressor são geralmente más. O mesmo não se passa com
os A.I. : eles aparecem logo como connoisseurs e virtuosos.
Existem
dois tipos de A.I. : os que recorrem a uma imensa parafernália
electrónica e os que defendem o acústico, dependendo isso normalmente de
se os pais são ricos ou pobres.
O fenómeno A.I. , é essencialmente
um fenómeno urbano, ao que se deve essencialmente pelo facto da Wire não
se vender nos campos. Raras tentativas da existência de A.I.
camponeses, são normalmente mal interpretadas pelos parentes e amigos e
dissuadidos com a frase: vai trabalhar malandro.
Existem A.I. masculinos e A.I. femininos e normalmente vivem juntos.
Os A.I. são como células: multiplicam-se com rapidez.
Os A.I. são pessoas normais que frequentam workshops.
Os A.I. são A.I. .
Conheço
miúdos que compraram o seu instrumento e que querem ter uma banda e que
nunca vão dar um concerto ou gravar CDs, simplesmente porque não são
bons; conheço miúdos que estudam no conservatório ou em academias e que
nunca virão a ser músicos; conheço miúdos que andam no hot club a
aprender jazz e que nunca tocarão ao vivo, mas não conheço miúdos ou já
crescidinhos que queiram ser improvisadores e que não tenham já gravado
CDs e dado concertos.
Porquê?
A inexistência de escolas de
Improvisação, é razão para justificar o autodidatismo e que o A.I.
evolui com a prática , mas não explica a ausência de maus
improvisadores: todos gravam ou dão concertos.
A ignorância do
público sobre Improvisação ( bem como sobre outros tipos de música:
minimal, concreta, electrónica, jazz, etc. ), causada grandemente pela
censura dos media ( que não divulgam estas músicas, antes pelo
contrário, normalmente quando estas são verdadeiras, atacam-nas ), é
ainda por cima distorcida, por uma critica analfabeta ou por uma pseudo
Wire- Culture, que em nada beneficia, a destrinçar o trigo do joio. Os
Bons & Maus surgem indiscriminadamente citados em listas numa
qualquer critica sobre um CD ou concerto ou mesmo num índex de um livro.
Os A.I. são normalmente ouvidos em colectâneas ou vistos em festivais, promovidos por pessoas que gostariam de ser A.I. .
Os
A.I. embora convivam uns com os outros, gostam de dizer mal uns dos
outros, mas nunca podem dizer isso aos próprios pois podem perder
público.
Os A.I. são vistos com frequência a assistirem a concertos e
vernissages, ajudando os P.N.A.I. a compreender o que vão ver e
ouvir, tendo normalmente teses filosóficas ( mais do que musicológicas
), bastante elaboradas ( muitas vezes foi-lhes mesmo ditas pelos
próprios músicos que vão actuar, num qualquer workshop a que estiveram
presentes e a quem eles o tratam por o Jim ou o Rich ou o John,
tu-cá-tu-lá-bardamerda).
Sendo o único país do mundo aonde não
existem maus improvisadores, maus CDs de improvisação, nem maus
concertos de música improvisada, apetece-nos dizer: `tá-se bem!
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