Entrevista a Vítor Rua #14 - Construção orgânica das obras
Se pensar nas minhas peças solo – e estou a pensar nas peças para piano, flauta, clarinete, trombone, etc – sinto que, ao nível da forma, poderia pegar na parte final e começar pelo fim. Por exemplo, se sentirmos que a peça tem quatro partes distintas, quase que se podia em todas elas começar pela última, depois pela do meio e assim por diante. Eu estou a exagerar, mas em quase todas elas sinto que há uma grande liberdade. As peças não têm início nem fim, começam e acabam por elas próprias, e quase que é mais ou menos irrelevante a forma como estão organizadas. Agora, uma coisa é eu ter consciência disso, na peça para instrumento solo, outra coisa é ver se isso resultava com mais instrumentos. Eu não estou a dizer que é irrelevante – em princípio não quero nem desejo que um intérprete da minha peça de trombone comece pelo fim. Ela tem uma ordem. Agora, a determinada altura eu notei que podia jogar com isso, e para mim a forma está mais subordinada aos efeitos de som, a coisas conceptuais e a matérias que eu escolho para desenvolver numa peça. Por exemplo, a reverberação de um acorde no piano, a maneira como eu retiro os dedos depois de dar esse acorde, pode influenciar-me ao ponto de estudar e desenvolver durante bastante tempo essa técnica, que será a única razão de ser, ou quase, dessa peça. Numa peça que escrevi para flautas de bisel, Duplicator, mais de 70% do som é quase ar em vez de pitch definido, em vez de notas. Por isso é que eu digo que são mais essas situações.
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