sexta-feira, 30 de agosto de 2013

OS MÚSICOS PEDINTES OU COMO A MÚSICA DE RUA MELHOROU COM A CRISE


Nunca tivemos tão boa música nas ruas dos centros das cidades do Porto e de Lisboa, como na actualidade. Nas outras cidades, também se deve estar a passar o mesmo fenómeno. Até à crise, a música tocada nas ruas das nossas urbes eram de muito fraco nível. Em Lisboa havia apenas duas ou três excepções: a Dona Rosa, o tipo do ente e harmónica do metro e o senhor do piriquito do gato e do cão e o seu Casio ou guitarra preparada.
Hoje, percorremos as ruas das nossas cidades e podemos na mesma caminhada ouvir um quarteto de cordas, um saxofonista americano "black" a tocar "Jazz", um quinteto de metais a tocarem no estilo New Orleans ou um guitarrista eléctrico a solar por cima de um seu "loop".
A qualidade do som também melhorou, pois os músicos de agora têm ao seu dispor monitores ou amplificadores alimentados a pilhas, com muito boa qualidade, se comparados aos existentes há uma década atrás.
Assim, podemos dizer, que com a crise, a nossa "MUZAK" urbana, melhorou de forma reveladora, isto independentemente, de pensarmos se, estes músicos deveriam estar a tocar nas ruas ou nos mais de cinquenta anfiteatros novos, que nada fazem pela Cultura portuguesa.

QUAL O PAPEL DA MÚSICA DE INTERVENÇÃO NA PRESENTE CONJUNTURA DE CRISE QUE PORTUGAL ATRAVESSA?


quinta-feira, 29 de agosto de 2013




Jazz em Desgosto


Nunca se falou tanto do Jazz em Agosto como este ano. 
Embora eu não seja habitué deste evento (fui e vou somente para assistir a concertos muito especiais: Sun Ra, Cecil Taylor, Paul Motion ou Paul Bley), sabia antes de toda a gente quem ia participar no festival seguinte. E sabia-o, porque o Rui Neves, passava o tempo na casa do Jorge Lima Barreto (estúdio dos Telectu) onde eu residia e via-os aos dois a escolherem os músicos para cada ano. O Jorge dava a ouvir ao Neves coisas novas e extraordinárias e, eram dessas audições e conversas, que surgiam os nomes do próximo JeA. Depois era ainda o Jorge quem escrevia os textos sobre os músicos ou pequenas sinopses dos festivais. Ao Neves cabia depois a tarefa de contactar e estruturar o evento. Muitas das vezes o Jorge dava já o evento todo estruturado (com a ordem com que os músicos deveriam tocar e em que dias).
Assim, tive a sorte, de ter conversado e ter estado com todos estes geniais músicos estrangeiros e muitos mais, no nosso estúdio, onde com eles ouvíamos música, conversávamos, víamos vídeos ou simplesmente brincávamos com os nossos gatos siameses.
Sobre o assunto que é o motivo deste meu texto, pretendo apenas que este, traga uma nova luz sobre esta matéria, sobre a qual muito foi dito e escrito, mas que quanto a mim, não se falou ainda do principal: “O que é ou deve ser um Festival de Jazz Internacional como este do JeA?”.
Ora, este Festival, teve desde o início uma ambição: a de trazer a Portugal nomes cimeiros do Jazz internacional e de preferência, que não coincidissem com os nomes mainstream que iam surgindo pelos diversos e cada vez mais variados festivais de jazz que iam surgindo no panorama português.
Permitam-me aqui um parêntesis para dizer que sempre senti que a Gulbenkian deveria ter já há anos, um idêntico festival a este, só que dedicado ao Rock, um Rock em Julho ou coisa parecida, que nos tivesse trazido os maiores nomes do rock internacional: Zappa, King Crimson, Lou Reed, Beefheart ou Scott Walker. E num festival assim, eu não queria assistir a nenhum concerto dos Xutos, UHF ou Delfins! Eu sou ateu, mas por amor de Deus, isso não!
Mas voltando ao assunto e neste caso à polémica de se os músicos de jazz portugueses deveriam ou não estar presentes neste festival com mais frequência e regularidade?
Em primeiro lugar e antes de analisarmos a dita “frequência” ou “direito” a participar neste festival, deveríamos talvez falar da “dignidade” e “respeito” com que são tratados a maioria dos músicos portugueses que nesse festival participam. Com a excepção de raros nomes do Jazz português (Carlos Barretto, António Pinho Vargas, Maria João, Mário Laginhas e poucos outros), os músicos portugueses tocam e participam nesse festival em espaços como o Teatro do Bairro, Hot Clube ou ZDB e nunca no auditório ao ar livre (e não “de ar livre” como se pode ler na tabuleta do ACARTE).
E isso é muito estranho pois assisti às conversas acaloradas entre o Jorge, eu próprio e o Rui Neves, sobre a injustiça com que a Gulbenkian tratava, por exemplo, o Jorge Peixinho, nos Encontros de Música Contemporânea, em que o metia sempre a tocar fora da Gulbenkian, numa tenda de um “Teatro próximo de si”. As frases ouvidas e proferidas sobre essa matéria nessas alturas, eram: “Metem estrangeiros que não têm a qualidade do Peixinho no auditório principal e depois metem o Peixinho a tocar numa tenda”.
Eu não pretendo – que fique bem claro! – desvalorizar os espaços referidos onde os músicos portugueses acabam por actuar! Eu só refiro o facto de eles não actuarem no auditório principal dedicado a esse festival!
Mas é curioso, para quem como o Neves, que sempre lutou sempre contra essa injustiça (quando do assunto Peixinho - ou outros músicos portugueses como o Filipe Pires ou Cândido Lima /Encontros), se encontre agora, a proceder exactamente da forma como procediam aqueles que ele contestava. Terá mudado de opinião com o tempo?... É um direito que se lhe assiste...
Tudo isto terá iniciado com uma entrevista dada por Neves, logo seguida de uma resposta em forma de artigo pelo Rui Eduardo Paes e posteriormente, por um ensaio assinado pelo Gonçalo Falcão, em que ambos tinham como enfoque a dita entrevista ao Rui Neves.
O primeiro problema que eu aponto a estas respostas ou análises a essa entrevista, é o facto dos intervenientes citarem uma “lista” de supostos “nomes” que deveriam “por direito” entrar nesse festival (de salientar que essa lista foi adiantada pelo próprio Rui Neves, mas que se viu "perpetuada" nos respectivos ensaios, ainda que sob a forma de "citação"). E, para mim, as “listas” trazem-me logo problemas de digestão, pois quase sempre, na sua tentativa de serem “abrangentes”, pecam por não servirem o “objectivo” pretendido. Por exemplo: onde é que o David Maranha foi ou é músico de Jazz? Ou o Rafael Toral (mesmo que este o diga ser, não faz com que o seja! Alguém que diz ser o Dom Sebastião não o transforma imediatamente no Desejado)? Ou mesmo o Sei Miguel? Numa “lista” destas, também caberiam os nomes da Maria João Pires e do Sequeira Costa, pois são “reconhecidos internacionalmente”, têm “virtuosismo” e são “criativos”… Só não são é jazz!
Dito isto, em vez de listar aqui nomes ou pretendentes ao trono, prefiro ver a coisa por outro ângulo: “Será que o Rui Neves, só traz músicos de jazz a este festival?” E a resposta a esta questão é “não”! Ele traz músicos de outras áreas musicais.
E a outra questão a levantar então é: “E esses músicos de outras áreas musicais, são representativos e significativos das mesmas?”. E a resposta é que o são por vezes... E não o são outras vezes (uma grande maioria!). São-no, quando falamos de nomes como Cecil Taylor, John Zorn ou Fred Frith. Não o são, quando se trata de “grupos-que-nem-sei-dizer-o-nome-de-países-nórdicos-e-que-são-tão-fraquinhos-e-nada-têm-a-ver-com-jazz-que-nem-vou-comentar”!
Assim, e só agora levantada que foi esta questão, podemos levantar uma outra ou introduzi-la de outra forma: “Uma vez que participam no festival, músicos que nada têm a ver com o jazz e que ainda por cima são de fraca qualidade, porque é que não podem participar então, músicos portugueses dessas mesmas áreas alheias ao jazz, mas que possuem qualidades para estarem presentes num evento assim delineado?”
Será que o Toral é “inferior” a um DJ idiota nórdico que ouvi tocar por uns minutos antes de me retirar do anfiteatro num dos JeA?
Será o Sei Miguel “inferior” a um grande número de “trompetistas-vulgares-e-que-só-sabem-imitar-nomes-do-passado-e-mal” que têm passado pelo JeA?
Mas voltando ao assunto de “levar ou não levar músicos portugueses ao JeA?, eis a questão”: eu sou contra as “cotas”! Acredito que as pessoas devem estar nos lugares pela sua competência e não porque são homens, mulheres, pretos, amarelos, homossexuais ou ambidestres.
Dessa forma acredito que, se o JeA só levasse músicos de – e como diz o Neves – “elevada técnica e virtuosismo”; de “renome internacional” e com um trabalho “original” e “com imaginação”, seria muito difícil a integração de músicos portugueses (quer sejam da área do jazz ou de outras tipologias musicais). Rapidamente se “esgotariam” os músicos que num festival desse prestígio poderiam participar.
Mas neste contexto actual, onde além de não ser exclusivo a músicos do jazz, também parece não importar a “qualidade” desses músicos-fora-do-jazz, não vemos motivo para a não inclusão de portugueses e a tocarem no auditório principal. Mas, como digo, este argumento de se “ter de levar músicos portugueses ao JeA”, é, para mim, um “falso argumento”. Reparem: quantos músicos portugueses levou o Carlos Zíngaro quando foi curador do festival? Ou quantos levou o Pinho Vargas quando programou o Festival? Será que o número de músicos portugueses presentes nesses dois festivais, foi muito diferente do número de músicos portugueses que o Neves leva actualmente? Se a resposta for negativa, a minha pergunta é: “Porque não foi referido isso na altura?”.
Disse no início deste meu ensaio que o objectivo era dar a conhecer, para mim, o principal busílis da questão. Ora para mim, o principal, é referir que o JeA, deixou de ser o “Festival de prestígio” que já foi, para ser agora uma “réplica” ou um simples “clone” de centenas de festivais mainstream que existem por esse mundo fora e onde o Rui Neves está presente, certamente a falar com os programadores desses mesmos festivais, a jantar com os críticos internacionais que depois traz cá e a dormir nos hotéis com os músicos a quem paga opíparos cachets (dizem-me que chega a oferecer o dobro do que os próprios músicos costumam pedir...).
Concluo dizendo que o ponto principal desta discussão, é que o Jazz em Agosto, é agora apenas e somente, um jazz em Desgosto...

(Vítor Rua, 2013).

Nota: Já agora, porque é que nessa “lista”, não surge o meu nome? Eu toquei e gravei com o baterista do Miles e do Coltrane, e que abriu o JeA do ano passado e que me convidou para tocar nesse concerto, mas a “Direcção da Gulbenkian” “Não vê com bons olhos esta sua participação no Festival”, porque “A Gulbenkian não é a Zé dos Bois”! Esse músico é o Sunny Murray. Que mal chegou a Portugal quis entrar em contacto comigo e, estranhamente, estando com o Rui Neves que me conhece há mais de 30 anos, não lhe deu o meu contacto e teve o Sunny de andar a pedir a empregados da instituição o meu contacto telefónico, para me convidar a ir ao quarto do seu hotel e me pedir para tocar com ele na abertura do festival. De referir que também já toquei com o John Edwards que tocou nessa noite com o Sunny Murray. Já agora referir (e já que estou com a mão na massa com nomes de bateristas com quem já toquei) que dei concertos com o Han Bennink (baterista do Dolphy) ou com o Barry Altschul (de quem Keith Jarrett diz numa entrevista sua, ser o “melhor baterista com quem já toquei”). Ainda não referi que já gravei e toquei várias vezes com o Gerry Hemingway (baterista do Braxton, que tantas vezes já veio ao JeA) ou com o Gunter Sommer ou Paul Lovens. E isto só bateristas! Quanto a outros instrumentos, posso referir o Louis Sclavis com que toquei e gravei no Festival de Jazz de Guimarães. E uma vez que tanto gostam de “listas”, aqui vai uma de nomes com quem toquei e que corroboraria a minha participação no dito festival: John Butcher, Jac Berrocal, Tom Chant, Evan Parker ou Paul Rutherford, entre muitos outros...