Entrevista a Vítor Rua #16 - O Estado actual da Música Portuguesa
Podia dizer-se, no fundo, e como expliquei no princípio, que sou quase autodidacta, com todas as coisas positivas e negativas que isso traz. Positivas, porque eu posso escolher os livros que quero ler na altura que quero ler, ou os discos que quero ouvir na altura que quero ouvir, ou as partituras que quero consultar na altura e quando me interessa, e quando quero desenvolver determinadas composições ou assim posso recorrer a elas. Por outro lado, o não ter tido, ou ter abandonado cedo os estudos normais de Conservatório e essas coisas todas – se calhar também fugi um bocado àquele mundo… Por exemplo, eu fui ver um concerto de música de jovens compositores portugueses que acho que de jovens só tinham a idade, porque não vi nada que ultrapassasse, nem sequer chegasse – talvez um – ao Messiaen. E isso sempre num processo imitativo, o que também não é grande coisa. Mas pronto, isto foi um aparte. É mais no sentido de dizer assim: de certa maneira, ao não ter tudo isso, não estou a competir com aquelas coisas de clichés de música contemporânea que eu vejo. Há um academismo de algumas pessoas que conheço, parece que o intuito é produzir gente de que depois se diz assim nos intervalos: “ai, que bonito, é tal e qual Messiaen” ou “ai, que bonito, está muito bem escrito”. Mas muito bem escrito deve dizer-se a um aluno que faz um exame qualquer, o último ano de violoncelo, ou alguém que compõe uma coisa, mas nunca num sítio de concerto. Não interessa estar a dizer: “que bonito, é igualzinho ao Stockhausen”. E eu não tenho esse problema, nunca vou nem conseguiria escrever tipo Stockhausen ou tipo Boulez e assim. Eu vejo essas coisas como uma vantagem de ter o meu mundo, que nunca vai interferir nem competir com os outros. Alguém uma vez me perguntou se eu tinha, por vir do rock, algum tipo de problemas, se ia ser difícil para mim entrar no mundo da música contemporânea. E eu disse: “e quem é que te disse a ti que eu queria entrar no mundo da música contemporânea?”. Pelo menos naquele mundo negativo da música contemporânea não quero mesmo entrar. Agora num mundo que está a acontecer agora, sim. Já agora, e para terminar com uma coisa positivíssima, é lógico que nestes últimos dez anos estão a editar-se livros do Pinho Vargas, do João Pedro Oliveira, do Emmanuel Nunes, este lá fora, do Sérgio Azevedo. Há livros a sair, há partituras finalmente a serem editadas. Quer dizer, o Peixinho só deve ter uma partitura editada, para guitarra, acho eu. É uma coisa inacreditável, e depois muitas delas com erros, bem mas isso era outra história… Mas positivo é edições de partituras fantásticas, livros, organizações, associações, divulgação, editoras a editar a nova música portuguesa. Isso é que é importante, para finalmente poder acontecer como acontece em França ou em Inglaterra, que é de repente haver edições de compositores, e com intérpretes portugueses, se for possível, a interpretar. E livros, não só como o do João Pedro Oliveira, pedagógicos, mas também a própria música, como o livro do Pinho Vargas, que é a experiência musical dele. Temos que ver as coisas pelo lado positivo.
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