Entrevista a Vítor Rua #04 - O Surgimento dos Telectu e as primeiras experiências de Composição
Com os Telectu, numa primeira fase - entre 1982 e 1985 – abordámos, de certa maneira, a música minimal repetitiva. Minimal, no sentido de utilizar às vezes instrumentos simples, frases ou módulos. E repetitiva, porque se usava a repetição nessas mesmas composições, que eram escritas em formatos não convencionais de partitura - em coisas pictográficas ou mesmo em texto. Muitas vezes, como usavam processadores de efeitos, também tinham as fotografias dos instrumentos e tinham indicado graficamente e por símbolos os sons que utilizávamos em determinado instrumento. Mas depois, numa fase que vai de 1985 a 1987, nós dedicámo-nos quase totalmente à improvisação, à improvisação total. E aí dá-se uma coisa fantástica, que foi o começarmos a ter encontros com improvisadores internacionais, músicos que convidávamos ou que nos convidavam para tocarmos com eles. Isso foi importante, não só para a actividade como improvisador, minha ou nos Telectu, mas também posteriormente para o meu trabalho de composição, porque muitos dos músicos e improvisadores com quem eu estava a tocar e estava a conhecer nos Telectu eram simultaneamente improvisadores e intérpretes de música contemporânea. Por exemplo, o trombonista Giancarlo Schiaffini tocou connosco aí uns dois ou três concertos antes de me pedir e eu lhe escrever a composição para ele, que foi a A Síndrome de Babel, em 2001, para trombone solo. Mas antes, tive a oportunidade de conhecer e tocar com ele como músico – de ouvir o seu som, as suas técnicas e os métodos que ele usava como improvisador. Depois de conhecer todo esse mundo sonoro dele, tornei-me mais apto para escrever. Ou seja, já não era tanto escrever para trombone, mas era escrever para o Giancarlo Schiaffini, e isso é muito importante em quase todas as obras que fiz até hoje. Numa outra situação, com o pianista John Tilbury, lembro-me de lhe ter enviado três ou quatro peças de piano. Quando as enviei, fi-lo a pensar se ele teria disponibilidade de as interpretar. Enviei-lhe a partitura e ele não só se prestou imediatamente a gravar e a interpretar essas obras, como depois acabei por escrever uma obra a pensar nele próprio, de quem me tornei amigo e com quem colaboro. O Daniel Kientzy, o saxofonista francês, foi de todas as pessoas aquela com quem mais concertos demos no contexto da música improvisada, e também foi, não por acaso, a pessoa que mais encomendas me fez de peças. Vai sair um disco dele só com peças minhas para saxofone, que vai coincidir com o Festival de Paris de Música Contemporânea. Num dos dias vai ser interpretada uma peça minha para dois saxofones contrabaixo, pelo Daniel Kientzy, que se chama Recette Pour Faire une Souris, e depois uma para contrabaixo e saxofone contrabaixo, que é Bar Mitzvah à Trois, onde o contrabaixista também usa a voz.
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