segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Entrevista a Vítor Rua #15 - A escrita para voz

Entrevista a Vítor Rua #15 - A escrita para voz

A peça A Vaca de Aço, de 2000, para piano e voz, foi muito importante para mim – não é que eu não tivesse escrito antes muitos exercícios, estudos e coisas para voz, mas digamos que é a minha primeira peça no lied, neste caso piano e voz soprano. Estava sempre a adiar escrever para voz, e escrevia só para instrumentos, mas uma das razões era não encontrar um texto. Não é que não haja textos fantásticos à disposição, mas eu precisava de receber assim um choque. E então estava à procura, já há bastante tempo, em poetas portugueses, claro, como o Pessoa, e em poetas de poesia concreta, e eram sempre situações fantásticas, mas aquelas coisas tipo a flor, com o jardim e o céu. Até que de repente, estou a folhear o Herberto Helder, e de repente encontro os 16 Poemas Zen. Li as duas linhas do primeiro poema, e é qualquer coisa como: “Para poder caminhar no infinito vazio / a vaca de aço deve transpirar”. Mal vi esse poema, disse “é isto que eu quero musicar!”. E depois, ainda por cima, tive a sorte de serem dezasseis poemas, todos fantásticos e dentro deste espírito quase de haiku. Finalmente, tinha a matéria prima da parte do texto e comecei a compor para voz. Quando comecei, foi quase tão importante como quando comecei a compor no piano. Eu até ali compunha muito na guitarra – era guitarrista, era normal – depois comecei a compor no piano, que também foi muito importante. Mas quando compus para voz, neste caso particular, foi inacreditável o avanço para mim, como compositor. Eu pensei assim: pronto, vou escrever para voz, como pensei que ia escrever para flauta ou para trombone. E de repente tinha um instrumento em que, por muito má que seja a minha voz, que é, eu podia estar a sentir as situações. Por exemplo, a voz pode aparecer do Zen. E articulações, ritmos, uma pessoa pode notar que as palavras podem SER com acentuaÇÕES. Eu notava isso nos instrumentos, mas na voz foi muito mais claro. Até aí, eu usava muito poucos sinais de articulação, porque não sentia necessidade, e de repente com a voz comecei a sentir, e não só na dinâmica. Por exemplo, posso sentir que estou sempre a pôr pianissimo, mezzo-forte, mezzo-piano, há uma obsessão quase de controlar toda a parte e não aquele género de deixar assim tipo mezzo-piano, de estar uma frase inteira igual e só duas folhas depois é que mudo. Depois, também o tempo e a dinâmica interferiram, quase de compasso para compasso, ou de quatro em quatro, ou de três em três – alterava-se, e a semínima ficava igual a x, para acompanhar a respiração. Há também toda uma série de coisas, de articulações dinâmicas, e tudo isso fez com que eu aprendesse imenso. Quando eu voltei a escrever para piano, trompete, flauta e assim, já vim com essa carga e esse conhecimento. E, a partir daí, escrevi as duas peças que saíram agora no disco Works 1, com poemas de Herberto Helder, A Vaca de Aço e Os Galos de Madeira, ambos de 2000, e o poema de Mário Cesariny, Tocata 2, também para piano e voz. Depois daí foi uma sucessão de flauta e voz, com os poemas do Herberto Helder, para guitarra e voz, também com os poemas dele. Depois, finalmente, uma obra para orquestra de cordas e voz soprano, do Fernando Echevarría, Nachtmusik, que é um poema dele mesmo com esse nome. E depois também para barítono, do poeta concreto Melo e Castro. A partir daí descobri também uma série de poemas que me interessavam bastante. O do Fernando Echevarría foi fantástico, e o do Melo e Castro também foi bestial, porque era só números. Era o Soneto = 14 x. Era só números mesmo, com um barítono a dizer “um, dois, quatro”. Era um poema também bastante interessante dele, porque somado dá sempre catorze. Mas usou a forma tradicional do soneto.

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