terça-feira, 25 de setembro de 2012

NEAR SILENCE

NEAR SILENCE


Desde sempre os compositores se importaram com o silêncio na música. Bach criava vazios nas suas diferentes vozes da mesma forma que Boulez na sua obra Répons usou um sistema composicional onde abria “buracos” substituindo notas por pausas; Morton Feldman foi mais longe, retirando mesmo na sua totalidade as notas e ficando só com os sinais de pausas nalgumas das suas obras para piano solo. Repare-se que quando falo destes vazios ou buracos, é diferente de estar a falar de nada. Estes compositores procedem assim com um propósito musical.
Desde os futuristas no início do século XX, que o ruído começou cada vez mais a interessar os compositores e os músicos. Inicialmente na música erudita e posteriormente no jazz (free jazz), nas músicas improvisada e experimental e no rock (noise music). Da mesma forma o silêncio que até John Cage era apenas mais uma ferramenta composicional, passa a ser peça fundamental e por vezes única, de uma nova maneira de compôr e de tocar música.
Veja-se a análise do musicólogo David Metzer sobre o silêncio na Música: “Silence has frequently been upheld as a terminus, be it the climax of artistic nullity or the void created by the inevitable cultural withdrawal of modern art. The idea of silence as a point of departure has rarely been proposed, yet modernist music shows that silence has played such a role. Silence is a state, a sonic or conceptual ideal to which a work aspires. Silence is one such ideal, as are purity, complexity, and the fragmentary. Modernist, especially late modernist, composers have written works that aim to evoke states through musical languages that emulate distinct qualities of those conditions. Webern, Nono, and Sciarrino are three composers who have turned to silence. Instead of parsing out sections of silence (as Cage did), they create musical settings that conjure aspects of quiet. All three situate their music in a particular scene, the border between sound and silence. Informed by stillness, fragmentation, and fragility, it is a space that appears often in modernist arts, particularly the writings of Beckett. Far from being a narrow and doomed location, it is a limitless realm, a new sonic territory. The borderland, like many states, has unique potential for expression. Silence has long been used expressively, as experienced in tense pauses, but Webern, Nono, and Sciarrino use silence to comment on expression as an act. They ask questions about the act: How does it start? How is an utterance conveyed? What happens to it? Silence provides a revealing backdrop against which to scrutinize expression. This commentary is part of an ongoing modernist interrogation of expression. The music of Webern, Nono, and Sciarrino adds to the interrogation, doing so through a modernist point of fascination with silence”. Salwa Castelo-Branco - etnomusicóloga - refere que na leitura do alcorão, o silêncio está meticulosamente delineado; tanto ou mais que a parte escrita. Deu-me como exemplo, a leitura de Al-Sheikh Abdel Basit Abdel Samad, que pude visionar um excerto no youtube.
Irei agora de seguida – ainda que de uma forma sintetizada – escrever sobre uma nova tipologia musical intitulada de near silence (perto do silêncio). Estes músicos lidam normalmente com sons no limiar do audível e recorrem a técnicas instrumentais de forma a obterem um mínimo de som produzido e assim, lidarem apenas com resíduos ou sons parasitários, de forma a criarem texturas, melodias, harmonias ou ritmos subliminais e que exigem um novo tipo de escuta. Estando muito próximos de uma estética minimal, estes músicos procuram e usam o silêncio como fonte principal do seu trabalho e escutar as suas obras obrigam-nos a uma nova forma de escutar essa mesma música. Ao contrário da noise music onde massas sonoras atingem por vezes o limite suportável da nossa audição, o near silence obriga-nos a ouvir o subliminal e a apercebermo-nos das suas infímas variações tímbricas e dinâmicas. Tentar encontrar uma razão ou um significado para que certos compositores se dediquem ou ao silêncio ou ao ruído, faz-me recordar uma citação do compositor John Cage “E eu não sou tão tolo também! Houve um filósofo alemão muito conhecido, chamado Emmanuel Kant. Ele disse que existem duas coisas que não precisam significar nada: uma é a música, e a outra é o riso! Essas duas coisas não devem significar nada, no sentido de que nos dão um prazer muito profundo”.
Chris Cutler pensa que o near silence is a music you are not sure you are hearing. Or, in the classes I gave in boston, I suggested that music with very high redundancy - like drones or a simple continual repetitions had an affinity with - perhaps could be said to be, psychologically, though not physically, close to - silence... informationally they are I think... eno's airport music played very quietly would in this sense be both dynamically and psychologically close to silence i suppose. Cutler refere-se aqui à “música ambiental” ou “muzak”.
Eddie Prevóst considera que existem considerações técnicas para o uso do silêncio numa obra, tal como existe para o som: “The use of this material (i.e silence) requires exactly the same sensibility as does making sounds. However, it is its inaudibility that makes it difficult to know, with certainty, that silence is the intended objective. It also requires a close attention to the ensuing musical development and a great deal of empathy for a group of people to negotiate silence collectively. It requires close attention to the moment for both musicians and the audience. Both have to follow the trajectory of silence from the first faltering moments of inactivity into a purposeful focus upon the absence of sound. During a performance the musicians may not know that a silence is to ensue. It is this focus upon the moment that ensures the veracity of the silence. Doubt about its presence gives it meaning. Finally, like an exhalation the silence is relinquished. It fades just as the sounds have faded before it. We let all the sounds that have been used for the performance back into a place from which they have come. From an adaptive perspective we are applying silence to a musical setting. This is not the same as making spaces between sounds. Listening to silence is not the same as hearing nothing. We might — in our normal physical state and going about our daily lives — claim of a situation that nothing can be heard. This will probably mean that nothing is being heard that is germane to our current state of consciousness. However, if we simply stopped the normal chatter and focused upon the acoustic environment, we would probably begin to detect sounds of which we had hitherto been unaware. We might, equally, become conscious of the extreme absence of normal sounds”.
Para saber da existência ou não da existência de uma comunidade em Portugal de músicos a praticarem este estilo musical, resolvi entrevistar por e-mail, dois músicos improvisadores, residentes em Portugal e ir assistir a dois concertos destes músicos. O primeiro concerto que assisti - Carlos Zíngaro (violino), Pedro Carneiro (vibrafone) e Carlos santos (laptop) teve partes de near silence e o concerto foi regido (nesses momentos de near silence) pelas técnicas da “threshold music”. Já o concerto dirigido por Ernesto rodrigues, foi um bom exemplo de near silence. Houve uma gestão inteligente do silêncio e todo o evento transmitia ao ouvinte, uma sensação de plenitude e relax. Ernesto Rodrigues (violino, viola, objectos, metrónomo) era um condutor das texturas subliminais que emergiam ao som circundante do palco (o concerto realizou-se na LX Factory e por vezes ouvia-se o som das pessoas que preferiram estar no café a assistir ao concerto); Guilherme Rodrigues (violoncelo, metrónomo) e Nuno Torres (saxofone alto, metronomo), intervinham muito espaçadamente e usando advanced thecnics no uso dos seus instrumentos. Gil Gonçalves (tuba, metrónomo) usava o espectro sonoro dos harmónicos e formants, para criar um som quase “fantasmagórico”. Abdul Moimeme (guitarra eléctrica, metrónomos) tocava em duas guitarras expostas paralelamente uma à outra e com uma tira de metal (usando-a como um arco de violino) conseguia obter som simultâneo de ambos os instrumentos. José Oliveira (percussão, metrónomo) usou inicialmente o piano como instrumento de percussão (usando baquetas diversas), para posteriormente ir para um kit incompleto de bateria. carlos Santos usou durante todo o concerto, o laptop de forma quase inaudível, criando texturas abstractas imperceptíveis. Por vezes - tal era o silêncio que pairava no palco - ouvia-se mais os sons provindos do café do andar de baixo, do que as paisagens sonoras que provinham dos músicos. Este espectáculo foi integralmente gravado directamente para um computador Mac, usando o software pro tools e as entrevistas realizadas por e-mail.

Sobre o que é o near silence o improvisador Carlos Zíngaro diz o seguinte: “Independentemente de serem interpretações inevitavelmente subjectivas, a denominada abordagem do "near silence" terá a ver com o controle de cada músico, individualmente ou em grupo, no rigoroso exercício de auto-impostos limites na interpretação de patamares auditivos tendentes ao redobrado esforço de concentração por parte do ouvinte. Onde se contrariam execuções expressionísticas e onde o som vale por si, sem eventuais artifícios gestuais. Será uma prática que se poderá entender como bastante mais derivada de conceitos composicionais do que a normalmente conseguida com a chamada "livre improvisação", onde essencialmente o momento será aleatoriamente determinado pelas decisões ou "acasos" de cada participante”. Para o improvisador Ernesto Rodrigues - introdutor desta tipologia em Portugal - o near silence é “a resposta mais objectiva e contundente ao mundo desordenado, caótico e ruídoso em que vivemos. Digamos que faz o contraponto com a rudeza da realidade dos nossos dias. O estilo pode ser caracterizado pela percepção do silêncio ou seja, a consciencialização do mesmo, que se traduz também na economia dos sons – reducionismo”. 
Questionei estes dois improvisadores, sobre quais eram as técnicas e idiossincrasias desta música. Ernesto Rodrigues diz que:“embora se utilizem menos notas (e notas são todo e qualquer som), por outro lado os instrumentos são explorados integralmente, o que se traduz numa panóplia sonora muito mais rica e vasta. Logo, pode-se afirmar que sonicamente os instrumentos são cirurgicamente analisados o que se traduz nas chamadas “extended technics”. A tudo isto é necessário acrescentar um doseamento equilibrado entre som/ruído e silêncio”. Já Carlos Zíngaro diz que: “Próxima dos conceitos "minimalistas", foi a "threshold music" uma derivação das práticas "improvisacionais" da época, muito baseada nos conceitos de John Cage e do "deep listening", e tendente a contrariar (ou enquanto alternativa) a "estética do grito" então prevalecente (anos '70 do século passado) e fequentemente oriunda das abordagens "free jazz". Evidente que o denominado "near silence" lhe é referente sendo que, ainda em opinião exclusivamente pessoal (embora partilhada por muitos), a maioria das situações com que tenho sido recentemente confrontado (essencialmente enquanto ouvinte / espectador), me deixam pleno de questões, dúvidas e frequentes frustrações... Nos eventos de "threshold music" haveria um evidente fruir do espaço sonoro, na preocupação em uma "musicalidade" outra, na descoberta de interacções possíveis, mesmo no não som instrumental. Hoje, salvo raras excepções, serei confrontado essencialmente com o tolher desse fruir e/ou dessa musicalidade, tantas vezes em "poses conceptuais" que considero alheias à construção sonoro/musical. Acrescento apenas que, tantas vezes confrontado com a ostensiva não escuta e egotismo galopante por parte de alguns companheiros eventuais, me remete frequentemente a um "near silence" esperançoso de melhores momentos de ensemble, onde a intransigente e tantas vezes gratuita verbosidade se acalme e dê lugar a partilhas mais consequentes”. 
Quis saber de seguida se em Portugal se podia falar da existência de uma comunidade de músicos praticando este estilo musical. Perguntei a Ernesto Rodrigues se ele se considerava de algum modo o pioneiro desta linguagem por cá, e ele respondeu-me assim: “De facto antes de mim, não tenho notícia de que alguém o tenha feito (em Portugal). Mesmo a nível internacional penso que o meu cd “Self Eater and Drinker” (projecto iniciado em 1997), aponta já para muitas das soluções que coetaneamente podíamos observar nas práticas mais representativas desta estética, tais como as escolas de Viena, Londres, Tokio, Berlim, Boston, etc. Nos ultimos 10 anos, tenho tido a preocupação de veicular estas ideias a alguns músicos de Lisboa que penso poderem desempenhar esta funçao com “agilidade” e competência. Fundei o grupo SUSPENSÃO que integra 8 elementos e que está direccionado exclusivamente para esta corrente estética”.
A Carlos Zíngaro perguntei-lhe quem eram os nomes referência da cena internacional do near silence. Ele respondeu: “Evidentemente que, desde um John Cage a um Luigi Nono, passando pelo incontornável Richard Teitelbaum - pontualmente com o seu histórico grupo Musica Electronica Viva - por Pauline Oliveros, até às actuais fascinantes práticas do grupo Francês HUBUB ou do Inglês Rhodri Davies, entre alguns outros”.
Pode-se dizer que afinal o near silence não é um novo estilo musical, mas sim uma evolução lógica de trabalhos realizados por músicos anteriores? Cutler diz: “I don't think that's really a new kind of music, it seems rather like an art experiment to me and it seemed to come and go quite quickly - I'm not sure who is doing it now... sibelius uses a lot of silence and near silence ...webern ... feldman ... then there's schnittke's amazing pianissimo for large orchestra.. and in many classical and contemporary and some improvised musics there near silences that one is carried into - in a kind of suspension of time... as AMM also do”. Cutler vê uma “evolução” e não uma “revolução” ou “inovação” neste estilo musical.
Eu acredito que existe, na realidade, toda uma comunidade de músicos de diversas áreas e de diferentes povos, a fazerem near silence e que este é um estilo musical com características próprias. A forma como usam o silêncio e como o abordam, é uma idiossincrasia desta música. Em Portugal, curiosamente, só encontramos vestígios de músicos a praticarem esta música em Lisboa, o que não terá sido alheio o facto de Ernesto Rodrigues ou Carlos Zíngaro, residirem em Lisboa e um deles - Ernesto Rodrigues - dirigir uma editora de discos, onde publica obras deste género musical e o outro - Carlos Zíngaro - ser um dos músicos mais requisitados para actuar no estrangeiro com nomes cimeiros da música improvisada.
Para finalizar este meu ensaio, deixava aqui o testemunho de um pioneiro do uso do silêncio, o improvisador Eddie Prevóst: “Treating, and meditating upon, silence within a concert situation is a conscious application of attention upon a perceptual dimension that has previously been the domain of mystical contemplation. However, it is an attribute available to all human beings. Silence within the realm of music becomes, paradoxically, more precious in proportion to the musicians’ ability to demystify the experience. For It is within this newly configured cognitive musical space that a person senses their own existence. Absence of sound acquires a magnitude. Silence achieves a presence. Sounds evaporate into an ethereal cloud of nothingness. Death”.

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