segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Entrevista a Vítor Rua #11 - Evolução dos Métodos de Composição

Entrevista a Vítor Rua #11 - Evolução dos Métodos de Composição

Como comecei a escrever para pessoas que conhecia, como foi o caso do John Tilbury, do Daniel Kientzy, do Peter Bowman e da Kathryn Bennets, comecei por escrever solos. Cheguei a escrever duas ou três peças para orquesta, mas era naquele sentido de escrever porque tinha de escrever. Queria ver o que acontecia ao escrever para orquestra.
Então comecei por escrever, por exemplo, uma peça para piano, depois outra para clarinete solo, e outra para flauta solo. Nessa altura achava que já podia escrever para um trio de piano, clarinete e flauta. Depois podia escrever um quarteto de cordas, e um outra peça para flauta. Aí já me sentia encorajado a escrever para flauta e quarteto de cordas. Fui conquistando assim… Primeiro os solos, depois os duos, os trios, os quartetos. Até que, finalmente, tive a oportunidade e a honra de escrever para a OrchestrUtopica. Foi bestial, porque pude finalmente pôr em prática uma teoria que, até à altura, não tinha sido ainda desenvolvida, que era a de imaginar uma situação. Por isso, essa obra foi importante porque foi o concretizar de uma coisa que vinha há quase dez anos a tentar concretizar musicalmente. Eu achava que podia utilizar um som, ou um conjunto de sons, módulos de sons, ou eventos sonoros de instrumentos musicais ou não, por si só, se forem belos, se forem bonitos, se forem agradáveis – por exemplo, um harpejo de harpa, uma raspagem com um objecto de metal como um gong, ou então um flätterzunge ou um fluttertongue.
Agora imaginemos que eu queria fazer uma composição e resolvia começá-la com uma raspagem no gong de metal. A sua reverberação iria dar origem a uma nota grave na flauta e depois haveria finalmente um harpejo de harpa. Eu imaginei essas três situações – os sons isolados, se forem belos, podem ser o início de uma composição que me pode interessar. Mas se em vez da raspagem do gong eu começar por um harpejo da harpa, depois fizer um flätterzunge da flauta e depois a raspagem, eu, em princípio, posso começar uma outra composição. Depois, posso ainda pensar em termos verticais e horizontais – talvez se ouvirmos os três sons em simultâneo se possa obter coisas interessantes. Por essa razão, comecei a trabalhar essencialmente em computador, porque podia fazer essas misturas por pistas e experimentar. Por norma, achava que as coisas resultavam se houvesse um grau mais ou menos grande de abstracção. Não costumo trabalho com escalas, ou modos específicos – lido com notas graves, médias e agudas, mas sem grande preocupação. Às vezes as pessoas perguntam-me: “Que escala utilizaste?” – e eu nem faço ideia se usei ou não usei uma escala, porque fui usando notas graves ou notas agudas à medida que ia precisando delas, o que não quer dizer que tenha que ser sempre assim. Mas, nesta peça, finalmente pude concretizar essa ideia. Não é uma collage – não foi pegar no solo de flauta, no solo de clarinete, no solo de trombone, no solo de piano e pô-los todos numa horizontalidade. Não, foi algo mais que isso. Foi ter essa experiência de poder escrever solos para flauta, trombone, trompete e clarinete e, de repente, torná-los abstractos. No fundo, era como se estivesse a escrever uma peça para orquestra – neste caso, para piano e orquestra – em que o piano era a espinha dorsal da peça. Por vezes, surgem coincidências, e algumas partes acabam por ter uma verticalidade e uma certa importância. Mas, na maior parte das vezes são apenas linhas horizontais de coisas independentes, que eu junto numa só, embora com uma pequena diferença – e é por isso que digo que não e bem collage, porque isso seria pegar exactamente nessas peças e juntá-las. Aqui não foi o caso, porque mesmo que eu quisesse fazer isso seria extremamente difícil. Posso escrever para os vários instrumentos com velocidades diferentes, posso escrever notas, escalas, modos, o que for, diferentes de quando escrevo para outros instrumentos, em que posso utilizar outros métodos e técnicas. Eu costumo alterar a velocidade ou o tempo de compasso para compasso, mas o piano tem sido o instrumento que uniformizou, digamos assim, todos os outros instrumentos que vão surgindo.

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