Costumo compor sentado ao piano. Uma vez, ao escrever para vários instrumentos – não me lembro qual a obra, mas era para um ensemble que tinha uma flauta – estava eu a tocar umas notas no piano e para ter uma ideia clara do envelope do som, o fade-in e o fade-out do som, assobiava a nota, em que o assobio era a nota no piano, para tentar ver como é que eu queria que o som aparecesse. De repente tocaram à campainha, era um amigo meu músico, e eu abri-lhe a porta e disse-lhe assim qualquer coisa do género: “se não te importas, sentas-te aqui, é só dez minutos, estou a terminar uma coisa, venho já”. E ele ficou sentado a ver televisão sem som durante quinze minutos, e o que ele ouvia era eu a dar notas agudas no piano, com intervalos de meio-tom, e a assobiar essas notas para dentro da caixa de ressonância do piano. Depois parei e disse: “ok, desculpa lá, estava só a terminar uma coisa”, e ele disse assim uma coisa do género “que ideia fantástica, que coisa lindíssima, esta composição para piano e assobio”. E eu, quando ele me disse isso, parei de escrever a composição que estava a fazer e imediatamente fiz a peça que realmente devia fazer, que era a de piano e assobio. Ou seja, claro que depois estive durante imenso tempo a estudar que notas eram mais próprias, se queria ou não que o som do assobio fosse muito audível ou que fosse subliminar e estivesse escondido nas ressonâncias. No fundo, era quase uma ampliação das ressonâncias de certas notas do piano e depois também ver e reparar que quando era só uma nota, era um som mais ou menos contínuo. Mas, por exemplo, com intervalos de meio-tom, as ondas ficavam diferentes. Eram duas ondas, davam-se as duas notas e o que se ouvia já era uma espécie de sirene rápida. Mas se o intervalo fosse maior, já sem ser de meio-tom, já podia ser tipo uma sirene lenta. Tive que estudar a velocidade, o tempo, etc. A partir daí, é preciso estudar. Mas, digamos, a chave foi o momento em que a pessoa me disse o que eu estava a fazer e eu não sabia o que estava a fazer.
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