segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Entrevista a Vítor Rua #01 - A Guitarra, As Escolas de Música e Uma Experiência

Entrevista a Vítor Rua #01 - A Guitarra, As Escolas de Música e Uma Experiência

Quando tinha oito anos queria muito tocar guitarra. Nessa altura, os meus pais ofereceram-me uma guitarra acústica – com seis cordas de nylon. O meu irmão mais velho ouvia boas músicas dentro do rock: os Pink Floyd da altura, os Beatles, os Rolling Stones, Bob Dylan, entre outros. Isso foi óptimo para mim, porque no fundo era esse som que eu queria reproduzir. Tenho a certeza absoluta que quando me deram a guitarra acústica para a mão, no próprio dia devo ter dito que aquele não era o instrumento que me iria servir. Por isso, devo ter insistido muito com os meus pais, que viram da minha parte uma dedicação, e tive a sorte de eles me terem oferecido uma guitarra eléctrica e, um ano mais tarde, o meu primeiro sintetizador, que teve de vir de França.
Imediatamente comecei a trabalhar naquilo que queria, na música rock – com a guitarra eléctrica. Isso foi-me extremamente útil, não só nessa fase inicial mas também durante toda a década de 1980. Tive a oportunidade de estar horas e horas, dias e dias, nos melhores estúdios de Portugal. Foi fantástico para mim o conhecimento de mesas de mistura, processadores de som, amplificação, manipulação de fitas – de conhecer a sala e o próprio estúdio como um instrumento de trabalho. Sempre fui uma pessoa muito curiosa e tive a oportunidade, através dessa experiência com o rock, de fácil e rapidamente estar envolvido com cabos, microfones, guitarras, amplificadores e processadores de efeitos. Isso acabou por me ser bastante útil no meu trabalho posterior como compositor e improvisador, na medida em que o utilizei esses processadores e essas amplificações.
Paralelamente, estava a ter aulas de guitarra clássica. Até ter encontrado o professor José Pina, da Escola Duarte Costa, tinha a tendência de começar a estudar durante um ano para depois desistir. Às vezes só ia a uma aula e desistia logo, mesmo que tivesse pago o semestre inteiro – depois ficava especializado em jogar snooker, porque tinha de cumprir o tempo das aulas. Facilmente me apercebi que, na altura, os Conservatórios e as Escolas de Música eram sítios onde as pessoas que gostavam de música deixavam de gostar. Foi o que me aconteceu, não sei se acontece a mais pessoas. Felizmente as coisas mudaram e começaram a surgir coisas fantásticas, como as que se fazem na Universidade de Aveiro, na Universidade Nova ou na Escola Superior de Música.
Uma vez, convidaram-me a ir à Escola Superior de Música – eu nunca tinha entrado no edifício – porque iam ser tocadas peças do Virgílio Melo, do Pinho Vargas e uma minha pelo Manuel Jerónimo, no Departamento de Clarinetes. Por sinal, ele gostou muito da peça e até me convidou a escrever uma para o quarteto dele. O ensaio foi no Salão Nobre. Lembro-me que fiquei à parte, porque me convidaram como compositor para assistir. Os músicos que iam tocar nem sequer eram alunos da escola, era já um grupo profissional.
Lembro-me de uma situação caricata. Quando marcaram a hora do ensaio – tipo 17 h, ou assim – as pessoas de lá consultaram o livro e disseram: “Mas como é que pode ser? É que às 18h há uma conferência!”. Eu não sabia quem é que estava a falar, mas depois vim a saber que era a directora da escola. Acho que fez uma recomendação do género: “Então vão, mas não sujem nada. Deixem as cadeiras no sítio”. No dia a seguir, quando o concerto começou, alguém no andar de cima esteve durante todo o tempo a ensaiar piano, o que me fez pensar que o que era mais importante era não sujar a sala e deixar as cadeiras no sítio. Mas ali, perante os alunos, o público, os intérpretes e os compositores, estava-se a dar aval àquilo! Quando muito, convidavam o senhor ou a senhora que estava a praticar para vir assistir ao concerto! Mas esta viagem sobre o ensino não é generalizada, há professores fantásticos e sítios fantásticos para se aprender música em Portugal. Por isso, como estava a dizer, acho que tive muita sorte em poder ter escolhido a determinada altura o meu próprio caminho.

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