MANUAL DO MÚSICO EXPERIMENTAL
" Tens 18 anos e a 4ª classe ? És um jovem ambicioso ?
Queres ser músico, mas não sabes tocar ?
Não faz mal,
vem e sê um músico experimental..."
1. A escolha do instrumento
A guitarra eléctrica é uma boa solução: é barata, fácil de transportar, e permite intensidades sonoras elevadas.
1.1. Alguns conselhos úteis :
__Se
as cordas se forem partindo, não se deve substituí-las: por um lado
poupa-se no dinheiro, por outro cria um mistério e uma imagem
experimental q.b.!
__Roube nos restaurantes ( de preferência chineses
), palitos e os pauzinhos chineses, e use-os ( os palitos ) para meter
entre as cordas da guitarra e os outros (os pauzinhos)
para percutir as cordas. Chame a essa ementa, ( a guitarra&pauzinhos&palitos ), guitarra preparada " à la Cage ".
__Use
sempre bastante pedais: quantos mais melhor; mesmo que estejam
estragados e não funcionem, disponha-os a seus pés, e mexa nos botões_
dá um certo ar je-ne-sait-quois-bué-de inteligente; imprescindível é o
pedal de distorção, pois quando não souber o que fazer mais num
concerto, poderá sempre ligá-lo no máximo e manter esse
ruído até ao final.
2. A escolha do nome
Se fôr um projecto a solo, use sempre o seu nome seguido de uma coisa qualquer que pareça inteligente e actual, tipo:
__Berto
Caos, Luís Noise, João Flash, Antero-Buraco-Negro, ou se fôr do sexo
feminino, Minimal Luísa, Hi-Tech Maria, ou Felizberta Loop.
Se fôr um projecto de grupo, dependerá um bocado do tipo de música:
__No
caso NEW AGE/AMBIENTAL, servirá qualquer palavra, seguida imediatamente
da sílaba um, que dará um toque de latim. Assim, Sonorum, Impromptum,
Caravelum, ou mesmo coisas do dia a dia, Sardinhum, Manteigum, ou
simplesmente Atum.
__No
caso ROCK/NOISE EXPERIMENTAL, convirá sublinhar a palavra NOISE sobre
todas as variantes mais populares: Os Ruídosos, Os Barulhentos, Os
Distorcidos, ou então com um carácter mais blazé, Os Halle-Bopp, Madame
Curie, Os Multibancos, Os Hertzianos.
__No caso de uma música erudita
acústica, não hesite ( eu próprio segui este conselho...), use qualquer
merda seguido de Ensemble: Cosmos Ensemble, Pedra Ensemble, ou o seu
nome seguido de Ensemble, Armando Ensemble,Vanessa Sofia Ensemble.
3. O estilo músical
Improvisação__é o que está a dar!...
Apresentar-se
como improvisador traz todas as vantagens: além de ser "fácil", é
"avant-garde" e está na moda. Acrescente-se a isso o facto de por muito
má ( de
qualquer maneira vai ser sempre uma grande merda ), que seja
a sua "prestação musical", poderá sempre atribuír ao facto de " hoje
não estava nos meus melhores dias...".
Deverá sempre acompanhar a sua
improvisação com um texto ( no caso de um CD ), ou de um introdução
verbal ( no caso de um concerto ). Essencial no conteúdo desse texto/
dissertação verbal, é:
__a citação de um ou mais nomes da Filosofia actual ( exp: Deleuze ou Foucault )
__a
introdução ao acaso ( uma vez que é só para armar...), de palavras
como: tempo-real, improvisação estruturada, textura-harmónica, rizoma,
aleatório.
__Evite clichés do passado, tipo: contratempos, polirritmía, harmonias...
__Temine com uma frase ou citação em francês qualquer: Je n´aime pas les Monty Python...
4. O concerto
Em primeiro lugar, deverá ter em conta o sitio aonde irá apresentar a sua fraude, perdão, o seu concerto.
No
caso de pequenos clubes ( aonde normalmente se apresentam grupos de
rock ), faça muito chiqueiro, mesmo muito chiqueiro! não interessa o
quê; ligue tudo no máximo, muito feedback, muita distorção, mas mantenha
sempre uma pose calma, racional e se possivel inteligente, como se você
tivesse tudo sobre controle.
No caso de bares/pubs ou galerias de
arte, aonde as pessoas vão para falar, beber uns copos ou sómente para o
engate, aconselho-o o género Ambiental ou melhor, Paisagens Sonoras,
que é a mesma merda mas muito mais chique...; use Drones graves, sons
continuos e misture sons da natureza: riachos, pássaros, vento, ondas do
mar e mais passarinhos e esteja sempre sentado ( poderá de tempos a
tempos enrolar um cigarro com uma mortalha e tabaco de enrolar, criando o
mistério de que poderá estar a fumar um charro...) .
No caso de ter a
sorte ( ou de alguém da sua familia for influente numa Instituição ) de
ir tocar a uma Fundação ou uma sala de concerto prestigiada, terá que
dar o máximo, ou seja, faça o minimo possivel! Isto porque poderá dar-se
o caso de alguns músicos ( os verdadeiros é claro ), estarem a
assistir. Assim, quanto menos fizer, melhores hipóteses tem de não ser "
topado ". Nestes casos, aconselho o já clássico Concerto Conceptual...,
e em que consiste então este concerto conceptual, ou em americano,
Conceptual Concert ? Irei dar 2 exemplos:
__Ligue uma ventoínha; à
sua frente ponha vários wind chimes; ligue una luz strawb por detrás da
ventoínha e amplifique o som dos wind chimes; você estará sentado na
obscuridade ( tavez um candelabro...) e muito espaçadamente dá um
harmónico na guitarra com muito reverb.
__Várias folhas de pauta
presas por molas em cordas da roupa; ponha vários microfones ligados a
efeitos diversos: delays, reverbs, distorçores; apareça vestido com uma
camisola preta de gola alta, calças de ganga preta e botas Doc Martens;
rasgue as folhas de pauta lentamente e por vezes violentamente; use um
jogo de luz que oscile lentamente do azul ao violeta e ao roxo.
5. O cachet
Peça
sempre muito dinheiro! Quando interrogado de porquê tal quantia,
argumente que " já está a trabalhar neste work-in-progress hà 2 anos e
meio e que envolveu estudos efectuados em diversas sociedades musicais
extra-europeias...". Se obrigado a isso, dê o nome de ilhas que ninguém
conhece ( porque simplesmente não existem ): Ilhas Gricland, Northern
Bay, ou Kora-Kora.
6. Finale
E " prontos ", desejo boa
sorte a todos os que enverdarem por esta prestigiante e económica
profissão, bem como aos que já andam por aí a curtir.
Espero que
tenham a " boa fortuna " de nunca serem " detectados ", continuem a
xular bolsas, a fazer música por " encomenda " e a receber volumosos
subsidios.
" Je m´en merde en Paris..."
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