terça-feira, 2 de outubro de 2012

MÚSICA & POLÍTICA

MÚSICA & POLÍTICA
 

A definição de definição tal como nos surge no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo 2002, é a de acção de enunciar, de caracterizar os atributos essenciais de um ser ou uma coisa. Ora essa acção de enunciar pode não ser definitiva, ou seja, pode não reunir as condições necessárias para que não a venhamos a alterar ou até a anulemos. As definições não são imutáveis. A inexistência de uma definição única em relação a um mesmo termo, mas sim ao invés, uma multiplicidade de definições que abordam de diferentes formas o mesmo assunto, leva-nos a supor que umas em relação a outras, podem ser melhores, mais complexas, mais extensas, mais incompletas, mais poéticas, mais científicas; há definições que vão variando conforme as épocas ou as diferentes culturas de diferentes civilizações.
Como então definir “música”? E como caracterizar os atributos essenciais de “política”? Estes dois termos, (musiké e politiké), surgem na nossa sociedade ocidental na Antiga Grécia. Mas sempre houve música e política "avant le mot". Tanto a música como a política não são exclusivas da sociedade ocidental e há, portanto, tantas histórias da música e da política quanto há culturas e espaços no mundo e todas as suas vertentes têm desdobramentos e subdivisões. Para Aristóteles “O homem é um animal político”, logo, desde que o ser humano existe, existirá política. Já a existência de música remonta à pré-história (para muitos musicólogos o canto terá mesmo precedido a fala) e podemos observar na arte rupestre das cavernas uma ideia desse desenvolvimento nas figuras que parecem cantar, dançar ou tocar instrumentos. Fragmentos do que parecem ser instrumentos musicais oferecem novas pistas para completar esse cenário. Considerada uma prática cultural e humana, actualmente não se conhece nenhuma civilização ou agrupamento que não possua manifestações musicais próprias. Embora nem sempre seja feita com esse objectivo, a música pode ser considerada como uma forma de arte, considerada por muitos como sua principal função.

Em relação à definição de “política” não encontrei, talvez por não ser um entendido em política, qualquer problema em aceitar o que me propunham os diferentes dicionários:
“A palavra política denomina arte ou ciência da organização, direcção e administração de nações ou Estados”.

A origem do termo remonta aos tempos em que os gregos estavam organizados em cidades-estado chamadas "polis", da qual derivaram palavras como "politiké" (política em geral) e "politikós" (dos cidadãos, pertencente aos cidadãos), que se estenderam ao latim "politicus" e chegaram às línguas européias modernas através do francês "politique" que, já em 1265, era definida nesse idioma como "ciência do governo dos Estados".

Já definir música não é algo fácil de concretizar pois apesar de ser intuitivamente percebida por qualquer humano, é-nos impossível encontrar um conceito que contenha todos os significados dessa praxis. A música contém e manipula o som e organiza-o no tempo. Talvez esse seja o motivo que leva a música a estar sempre fugindo a qualquer definição, pois ao fazê-lo, a música altera-se, evolui. E esse jogo do tempo é simultaneamente físico e emocional, real e virtual. Ao longo da sua história a Música esteve ligada a diversos actos sociais e até a rituais sagrados; foi usada como suporte pelas classes dominantes:

“Ainda quando ao serviço de tal ou tal corte ou senhor feudal, satisfazendo encomendas mais ou menos padronizadas para cerimónias ou funções específicas (no teatro, na igreja ou no quotidiano senhoriais) e submentendo-se aí estritamente aos ditames da esfera pública representativa personificada na vontade do príncipe, os compositores começam a sentir as novas solicitações que lhes chegam da esfera pública burguesa, expressas através da intensa interacção sócio-comunicativa que se estabelece por via da massa de música impressa, livros, recensões, crónicas e eventos musicais” (Vieira de Carvalho, 2007:21).

“Música“ é, para o Diccionário da Língua Portuguesa Contemporânea, a “Arte de conjugar os sons”. Mas depois, continua dizendo que esta “conjugação” deve ser feita de “forma melodiosa” - e aqui já deixa de “fora” uma enorme quantidade de música que nem sequer tem “melodia”, sendo unicamente rítmica e realizada em instrumentos sem altura definida, como toda uma série de tipologias musicais, nomeadamente a música electrónica, concreta ou acusmática (para citar só algumas), em que por vezes, é totalmente ignorado o aspecto “melódico” de determinada composição. E, o enunciado prossegue dizendo que esta “conjugação de sons” deve estar de “acordo com determinadas regras”, o que também é redutor, pois existem estilos musicais e obras que são totalmente alheias a quaisquer regras, como o caso da música intuitiva, da música improvisada e de certa música aleatória. Para terminar é de referir que este enunciado ainda nos diz que a música é capaz de “exprimir ou despertar emoções”, com o que estou totalmente de acordo, e que é capaz de “evocar certas realidades” e aqui penso que faltaria acrescentar “e certas abstracções”, o que é, para mim, um atributo bem mais importante da Música.
No Dicionário Online de Português, encontramos a seguinte definição de “música”: “Arte de combinar sons”. Pode-se pensar que esta definição ganharia com a inclusão de “e silêncios”, mas se considerarmos que o silêncio é um “som”, então dispensa-se bem esse “pleonasmo” e aceitamos a definição como sintetizada e correcta, ainda que incompleta (a leitura do Alcorão é uma arte de combinar os sons e os silêncios e não é música).
Questionado sobre o que é a música, John Tilbury diz-nos que

"Música é feita pelo e para o homem, usando os sons que precisam e deixando o resto de fora" .

Para Chris Cutler

"Música é uma linguagem inter-pessoal que produz um efeito abstracto" .

Já para Eddie Prevóst

“Music is the human production of sounds that are beyond the practical activity of survival i.e. finding food and shelter. Music has become a cultural instrument that serves to help humankind explain the world to themselves. The origins of music is embedded within the sounds perceived, copied and abstracted from the observable universe. It probably developed as an aid for ritual and religion. In this respect, it should be no surprise that a modern industrial society begins to adapt the sounds of industry and use them to explain, reveal and perhaps even celebrate (or express regret!) about the new forms of life experiences emerging with in industrial culture” .

Pode-se constatar que a música consiste numa combinação de sons e de silêncios, numa sequência simultânea ou em sequências sucessivas e simultâneas que se desenvolvem ao longo do tempo. Assim, a música, contém toda uma mescla de elementos sonoros destinados a serem percebidos pela audição. Incluiremos aqui variações nas características do som (altura, duração, intensidade e timbre) que podem surgir sequencialmente (ritmo e melodia) ou simultaneamente (harmonia). Ritmo, melodia e harmonia são interpretados aqui tendo em conta a sua forma de organização temporal, pois a música dos nossos dias pode conter intencionalmente melodias ou harmonias ruidosas (ruídos ou sons não-convencionais) e arritmias (ausência de ritmo formal ou desvios ritmicos). E é aqui que podem surgir controvérsias. As questões que surgem desta simples observação resultam em diferentes respostas, quando encaradas do ponto de vista do criador, do executante, do historiador, do filósofo, do antropólogo, do linguista, do poeta, do musicólogo ou simplesmente do amador. E as questões são muitas: “toda a combinação de sons e silêncios é música?”; “a música é sempre arte?” ou “a música existe antes de ser ouvida?” e “o que faz com que a música seja música é algum aspecto objectivo ou ela é uma construção da consciência e da percepção?”.

Nos últimos tempos tenho tentado desenvolver uma definição de música, numa concepção formal que o Professor Mário Vieira de Carvalho sugeriu como “pensamento filosófico analítico” e que actualmente se sintetisa na seguinte fórmula:

M=S ⊃ _[Sorg ∧∨ S~org ∧∨ St ∧∨ S~t ∧∨ (Sl ∧∨ R) ⇔ P] + SH

em que, Música é Som; e nesse som estão contidos o som organizado e não-organizado; e/ou som tónico e som não-tónico; e/ou silêncio e Ruído, sendo que estes dependem da Perspectiva; e todo este Som é produzido pelo Ser Humano.
Se tanto a política quanto a música parecem remontar ao surgimento da Humanidade, também é de supor que uma relação entre estas duas actividades tenha também desde logo existido. Exemplo disso é a história inícial deste artigo, do Imperador Shun e da sua forma de governar o seu reinado através dos sons e da música. Na nossa sociedade ocidental, essa relação dá-se desde a criação dos próprios termos na Antiga Grécia. Assim, “o animal político” de Aristóteles e “o animal musical”, desde sempre interagiram em apertados laços de relacionamento: para o bem e para o mal. Aristóteles prevenia que "pelo ritmo e pela melodia nasce uma grande variedade de sentimentos" e que "a música pode ajudar na formação do carácter" e que "se pode distinguir os géneros musicais pela sua repercussão sobre o carácter”. Um estilo musical, por exemplo, pode levar à melancolia, outro sugerir o desânimo ou o domínio de si mesmo, o entusiasmo ou a alegria ou alguma outra disposição. Platão é ainda mais conciso. No diálogo A República, avisa que a música forma ou deforma os caracteres de modo tanto mais profundo e perigoso quanto mais inadvertido. Grande parte das pessoas não entende que a música tem o poder de alterar o coração dos seres humanos, e que assim, molda a sua mentalidade. Mudando as mentalidades, a música acaba por modificar os costumes, o que faz com que se mudem as leis e as próprias instituições. Por isto dizia Platão que é possível conquistar ou revolucionar uma cidade pela alteração de sua música:

"Toda inovação musical é prenhe de perigos para a cidade inteira"... "Não se pode alterar os modos musicais sem alterar, ao mesmo tempo, as leis fundamentais do Estado" (Platão, República, Livro III).

Segundo Platão, a educação musical é a coisa mais poderosa, porque incute na alma da criança, desde a infância, o amor à beleza e à virtude. Uma pessoa com uma culta educação musical, teria mais facilidade em entender a beleza e a harmonia do mundo. A música seria assim criadora de estados de “alma”, os quais faziam nascer idéias correlatas em nossas mentes.

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