quinta-feira, 11 de outubro de 2012

INTENCIONALIDADE & ORGANIZACIDADE

INTENCIONALIDADE & ORGANIZACIDADE 

 

...ao escrever este texto no teclado do meu iPad provoco som causado pelo contacto dos meus dedos e unhas nas teclas. Este som é não-intencional. Eu não tenho intenção de produzir esse som. Pelo contrário: seria maravilhoso, conseguir escrever sem escutar o martelar das teclas. Este som, é assim, uma consequência da minha intenção de escrever este texto. Existe uma intencionalidade na escrita, e uma não-intencionalidade no som. Mas este som não-intencional causado pela intencion
alidade da minha escrita, é organizado. Existe uma organização. Eu penso e repenso no texto que vou escrevendo; escrevo e rescrevo-o; corrijo e altero; sempre com a intenção de o tornar mais perceptível. Por isso, o som não-intencional do martelar dos meus dedos e unhas nas teclas do iPad, é organizado: respeita e obedece regras do raciocínio que envolve a escrita deste meu ponto de vista.
Já o som deste parágrafo - que escrevo neste momento -, é intencional. Isto porque estou a escrevê-lo seguindo o ritmo da abertura da quinta sinfonia de Beethoven. E é, logicamente, um som organizado.
Reparem agora na frase que vou escrever entre aspas: "iwyepwef wepifhwe fwhwf fbe weh fpwh fwiuh f wqherqwiuh fq qpvbhbvuier fwhf whf fuwo efn f fowih fnd". Esta frase foi escrita, martelando as teclas ao ritmo da música para lute que escuto neste momento. Trata-se portanto, de um som intencional e organizado. Já o texto resultante deste exercício sónico, é uma frase sem qualquer significado. A não ser talvez, para uma qualquer raça alienígena, que o saiba interpretar. É um texto não-intencional e não-organizado, provocado por uma intencionalidade e organizacidade sónica.
Existe som intencional e não-intencional provocado pelo ser humano, e som intencional e som não intencional na Natureza.
Quando alguém toca numa harpa para interpretar uma obra do Arpo Marx, está a produzir som intencional; já se um de nós deixar cair, sem querer, um garfo no chão, esse som assim produzido é não-intencional.
Certos animais - como as baleias e os elefantes - produzem sons intencionais: comunicam entre si; já o som do vento, da chuva ou do mar, é não-intencional. No primeiro caso - o das baleias e elefantes -, o som é organizado; no segundo caso trata-se de som não-organizado.
Relativamente a estes casos de som não-intencional da Natureza (vento, chuva, trovoada, mar, etc.), dá-se o caso de, numa escuta reduzida, "entendermos" uma organização no som de certo vento, chuva ou ondas do mar. Mas essa organização, estará na escuta e não na produção do som. Não existe intencionalidade numa gota de água que pinga sobre uma lata de metal. Mas a escuta, o nosso entendimento desse som, pode revelar-nos determinada organização sónica: o ritmo repetitivo da gota de água a pingar, seguido - por exemplo - de um ritardando quando a água começa a escassear. Parece-me existir uma organização nesse tipo de escuta, a que Pierre Schaeffer intitula de "escuta reduzida", ou quando se refere a diferentes tipos de escuta, e nos recorda que "ouvir" algo, é diferente de "entender" algo.
Assim, diríamos que podemos escutar sons não-organizados, de forma organizada e podemos ouvir sons organizados de forma não organizada (uma pessoa num estado alterado - por certas drogas -, pode estar a ouvir sons organizados de uma forma não-organizada. Como exemplo, podemos dar o caso de um bêbado que chega a casa, e a mulher começa a interrogá-lo sobre onde esteve e o que se passou, e porque está ele assim naquele estado, e ele, perante o som organizado da voz da esposa, não reagir - por nada lhe fazer sentido, e as palavras proferidas pela companheira não terem nele o efeito de um discurso organizado -, e em vez de lhe responder, vomita antes, por cima do tapete persa, que tinha sido oferecido ao casal, pelos sogros do bêbado em questão)...

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