quarta-feira, 31 de outubro de 2012

CONVERSA ENTRE DOIS SONS

CONVERSA ENTRE DOIS SONS

 

...conversa entre dois sons: "Olá, eu sou um som, e tu?". "Eu sou um ruído". "Mas um ruído não é um som?". "É". "Então porque te chamam de ruído?". "Porque sou aperiódico". "E depois? Somos todos sons! Acho isso muito sonofóbico"...

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

PRECISAMOS DE UMA GUERRA, JÁ!!!

PRECISAMOS DE UMA GUERRA, JÁ!!!

 

...façam-me a vontade e sigam o meu raciocínio até ao fim; a Alemanha esteve nas duas guerras; perdeu as duas; as suas cidades foram bombardeadas; foi dividida por um muro; falsos comunas de um lado, capitalistas verdadeiros do outro; além da destruição, tiveram de pagar aos outros países o "custo" da guerra; e, eis que uns 20 anos depois já estavam em pé na maior e hoje, uns meros 60 anos depois, são a maior potência da Europa... A Inglaterra, esteve nas duas guerras; as sua
s cidades destruídas; mortes e desgraça; hoje, é o país fora da CE, com maior poder económico; o mesmo para a França: invadidos pelo Hitler que entrou em Paris pelo arco do triunfo e aplaudido pelo - algum - povo francês, também é hoje uma potência enorme da europa; e o mesmo com a Itália que viveu o fascismo, e a Espanha com o Franco e guerras civis; e não nos podemos esquecer do Japão: duas bombas atómicas nos cornos, e hoje são - a seguir à China e juntamente com a crescente Índia - uma das três maiores forças mundiais; todos estes países são potências mundiais hoje... Nós, Portugal, não entramos em guerras; "Graças ao nosso querido Salazar", ainda se ouve uns velhos a dizer (ou taxistas!); e que somos nós agora? A maior potência em física! Inventamos o "pelintrão" que não tem "massa" nem "energia", mas que aguenta qualquer carga; qual é então a minha ideia?... É a seguinte: vamos entrar em guerra!!!! Se todos os outros países que entraram em guerras, e que foram destruídas as suas cidades com bombas, estão na maior, e nós que não entramos nas guerras, estamos na merda, então façamos uma guerra!!! E como fazemos isso? Simples! Começamos a insultar os outros países e a provocá-los, tipo: "Ó Sarkozy: chupa-me aqui!"... "Ó Merkle: és uma grande vaca!"... "Ó chinocas: venham cá que nós damo-vos um rebuçado"... "Ó Obama: a tua mulher parece uma macaca!"... E por aí fora, até eles perderem a compostura e enervarem-se e declararem guerra a Portugal; quando isso acontecer, todos os portugueses (os 10 milhões), vão para Vizela, Alfarelos, Mesão Frio, e outras terras que eles (estrangeiros), nem sequer sabem que existem, quanto mais onde ficam, e deixamos os gajos bombardear Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, etc... Depois, pedimos desculpa e dizemos que estávamos com os copos quando dissemos aquelas coisas, e ficamos à espera... E, se tudo correr como nos outros países, dentro de 10 anos somos a maior potência mundial!!!...

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O QUE É UM SOM?

O som, considerado do ponto de vista da acústica, é uma vibração num meio elástico. Essa vibração, quando presente um sistema auditivo, é transformada em som. Mas existem sons que não conseguimos escutar. Conseguimos senti-los, mas não escutá-los. Não são audíveis. São inaudíveis para os seres humanos. E são-no porque excedem, para baixo ou para cima, o alcance do nosso sentido de audição. Para baixo no caso dos infra-sons e para cima nos ultra-sons. Na acústica dizem-nos que
sons abaixo dos 16 hz são inaudíveis para nós e que, portanto, são infra-sons. Sons acima dos 20 Khz tornam-se também inaudíveis para os humanos, e são considerados ultra-sons.
Os elefantes comunicam com infra-sons. Emitem sons de baixa frequência inaudíveis a nós humanos, mas que eles usam para comunicarem entre si (aviso de predadores, indicação de água ou comida, acasalamento). April Pulley Sayre é uma bio-acústica e explica-nos que,

“Bioacoustics is the study of sounds made by living things”. (Sayre, 2002:5%)

Diz-nos também que devido a certa tecnologia e recursos antes reservados aos militares, estão agora disponíveis aos cientistas:

“In recent years, hidden sounds – beyond the normal range of human hearing – have provided a whole new field of exploration. Kathy Payne has discovered that elephants make sounds - low, loud, and deep – that travel for many miles. Some of these sounds are too low for humans to hear, but people can feel them as a throbbing in the air”. (Sayre, 2002:6%)

Schafer dizia-nos que um dia alguém iria escrever uma composição para gatos:

“Pode parecer um pouco bizarro, mas é concebível que as composições pudessem ser criadas nessas frequências superiores e executadas em geradores electrónicos, exclusivamente para a apreciação dos gatos e seus amigos. Utilizando instrumentos electrónicos, vocês poderiam facilmente escrever uma sinfonia para gatos, que seria completamente inaudível para nós, e suponho que, algum dia, alguém terá a brilhante ideia de fazer exactamente isso” (Schafer, 1992:158).

A sua profecia aconteceu, mas foram os cães os escolhidos. Laurie Anderson deu um concerto para cães, escolhendo os ultra-sons como matéria-prima da sua composição. Os companheiros humanos dos cães não ouviam esses sons, mas podiam ver a reacção dos seus cães a esses sons.
Ainda há muito a descobrir sobre os infra e ulta-sons e sobre as formas artificiais e naturais que os produzem.

RUÍDO TÓNICO

RUÍDO TÓNICO

 

Se examinarmos o som de uma guitarra Fender Stratocaster – por exemplo -, ligada directamente a um amplificador Fender Twin Reverb, e o guitarrista tocar a corda Lá solta, obtemos um som tónico; um tom; um som de vibração de onda periódico; um som de altura definida. Mas se, entre a guitarra e o amplificador, introduzirmos um pedal de distorção, o som torna-se ruído, no sentido em que passa a ser um som de vibração de onda aperiódico. Mas não deixa de ter um tom: um som de al
tura definida. Ou seja, passa de som tónico (som puro da guitarra ligada ao amplificador), para ruído tónico (som da guitarra, ligada ao pedal de distorção, que por sua vez está ligado ao amplificador). Vimos que o ruído do motor de um Wolkswagen, em velocidade de cruzeiro, produzia um tom de Fá#. A minha máquina de barbear, sujeita a um afinador digital, deu um tom próximo do de Sib. Ou seja, produziu um ruído tónico. Já um ramo de árvore a quebrar, o ruído de botas na neve, o som das ondas do mar ou da chuva, são tudo ruídos não-tónicos, ou seja, um ruído de altura indefinida.
Russolo diz no seu manifesto The Art of Noises:

“noise differs from sound only insofar as the vibrations that produce are irregular and confused, both in tempo and density. Every noise has a note, sometimes even a chord that predominates in the ensemble of irregular vibrations.” (Russolo, 2009:136).

Russolo refere-se mais concretamente, aos ruídos tónicos. Esses é que possuem uma altura mais ou menos definida. Assim, quanto a mim, não são todos os ruídos que possuem este atributo, pois os ruídos não-tónicos não têm uma “nota” ou “tom”. O que distingue um som não-tónico de um ruído não-tónico, é que este último pertence ao grupo do anterior. No som não-tónico inclui-se o ruído não-tónico, o silêncio não-tónico, os sons eléctrico e electrónico não-tónico e os infra e ultra-sons tónicos e não-tónicos.

INTENCIONALIDADE

 INTENCIONALIDADE
 
 
 
Se dissemos que o silêncio audível era uma reminiscência de um som longínquo, então o ruído poderia ser interpretado como uma ampliação ou distorção do som. E, por isso – já o dissemos –, um som; um tipo de som. Logo, tal como no silêncio, existe ruído organizado e ruído não-organizado.
Quando ouvimos o som das ondas do mar, do vento, da chuva ou do trovão, estamos perante exemplos de sons não-organizados. Já o ruído de sons concretos, manipulados num sampler por um músico, é som organizado. Da mesma forma que constatamos que existem sons organizados não-humanos, existem também ruídos não-humanos organizados. Certos animais emitem ruídos, para comunicarem entre eles (sinais de perigo, alerta, desejo sexual, tristeza, alegria), que são sons organizados.
Mas vimos também que os humanos podem produzir sons, neste caso ruídos, não-organizados, por exemplo, quando inesperadamente deixamos sem querer cair um prato no chão de azulejo e este se parte. Este é um som não-organizado. Não existiu intencionalidade em produzir aquele som. Tal como o som organizado pressupunha uma intencionalidade, o mesmo se passa com o ruído organizado.

RESSOAR

RESSOAR


 
Se o som tende para o silêncio no infinito, então, sempre que ouvimos um silêncio audível reminiscente de um som tónico, esse silêncio é tónico. Se mais uma vez me reportar a mim, como ouvinte do que me rodeia neste momento que escrevo este texto no meu escritório, todo o silêncio audível que me é dado a escutar, é a reminiscência da música da Hildgard von Bingen, que a minha esposa ouve neste momento no seu escritório. Desse modo, o silêncio audível que percepciono é tónico.
O ressoar longínquo de uma paisagem sonora tónica será sempre um silêncio tónico. O silêncio audível de uma paisagem sonora não-tónica será sempre não-tónico. Assim, todo o som (tónico ou não-tónico) se transmuta em silêncio audível (tónico ou não-tónico), dependendo unicamente da perspectiva, mas mantendo as suas características de tonicidade ou não-tonicidade, idênticas à do som que lhe deu origem.

ORGAZANIZACIDADE

ORGAZANIZACIDADE


 
Tal como existe som organizado e não-organizado, também existe silêncio organizado e não-organizado. E isto porque vimos que o silêncio é um tipo de som. Logo, como som que é, também se inclui na categoria de organizados e não-organizados. Um exemplo de silêncio organizado é o som, equivalente em música, do símbolo musical de pausa. A pausa musical (da escrita ocidental europeia) tem o significado de silêncio, ou seja, ausência de produção de qualquer som, no instrumento ou i
nstrumentos, aos quais ela é referida. Dessa forma, o compositor controla e organiza os silêncios (pausas), da mesma forma que organiza e controla os sons (notas). Assim, este silêncio é organizado. Segundo referiu Salwa Castelo-Branco, na leitura do Alcorão, o silêncio é ordenado de forma tanto ou mais complexa do que o que é dito. É outra forma de silêncio organizado. Na obra de John Cage 4´33´´, o silêncio inscrito na partitura é silêncio organizado. Mas quando a obra é executada, o silêncio que escutamos é silêncio não-organizado; varia de uma interpretação para outra; e não depende do compositor, nem são organizados por ele, as tosses, os suspiros, o mastigar de chiclets, ou o som do ar condicionado. A organização do silêncio, em certa música contemporânea, é de tal forma importante que, como já vimos, muitos compositores hoje são reconhecidos estilisticamente pelos seus silêncios e pela forma como os organizam (Nono, Sciarrino, Cage, Feldman). Numa interpretação de um raga indiano, para sitar, tablas e tambura, existe sempre o som contínuo da tambura. Por cima deste drone, a percussão das tablas ou o solo de sitar interagem. Criando silêncios quando não tocam. Silêncios organizados. O som da tambura pode simultaneamente ser visto como um som subliminal, ou um silêncio audível tónico, sobre o qual os outros instrumentistas constroem as suas ideias musicais.
Todo o som da Natureza é não-organizado? Poderíamos ser levados a pensar que sim. Mas não é. O silêncio audível de uma floresta tropical na Indonésia, em que nos cheguem ao longe os sons desse silêncio, pode conter som organizado de diversos animais não-humanos. Ou seja, pode haver vestígios de som organizado nesse silêncio natural. Existe silêncio organizado mesmo sem a presença humana. Mas, no geral, o som da Natureza é, podemos afirmar, não-organizado. O silêncio audível num deserto, numa praia, numa floresta, numa gruta ou dentro de um vulcão desactivado. Da mesma forma, o silêncio audível que nos chega filtrado pelas janelas sofisticadas dos nossos prédios é, geralmente, uma mescla de silêncio organizado e não-organizado (tráfego, conversas entre seres humanos, sons de animais não-humanos não organizados). No instante em que escrevo este texto, o silêncio audível na minha marquise resume-se ao som subliminal do disco rígido do computador e ao ressonar subtil do meu gato. É um silêncio não-organizado, portanto.

SILÊNCIO

 SILÊNCIO
 
 
 
“O silêncio não existe;
viver é mantermo-nos no centro de um fluxo
que só a morte interromperá”.
(François Mauriac)


Mas afinal o que é o silêncio? O silêncio é um estado sonoro onde o receptor não acha correspondente audível que sobre ele ou sobre o meio ambiente interfira. No meio ambiente o silêncio é muitas vezes associado ao facto de não se ouvirem paisagens sonoras criadas pelos humanos. Diz-se que um ambiente está em silêncio mesmo que estejam pássaros a cantarola
r , pois eles fazem parte do ambiente natural. É quando “ouvimos” o silêncio da natureza. Não existe um silêncio absoluto, mas sim um silêncio audível.
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001:3412), silêncio “é a ausência de barulho, de ruído”. Já no The Free Dictionary (um dicionário online) a definição de silêncio é que este é “ausência de som ou ruído ”. Pensamos que a inclusão do termo “som” é – ainda que a definição continue incorrecta – mais indicada e mais universal do que na definição do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Aliás pensamos que uma vez que ruído é uma espécie de som, teria sido suficiente dizer que silêncio seria a “ausência de som”. Ora, se já definimos ruído, e se silêncio é – segundo estes dicionários - a ausência deste, então a definição de silêncio seria o oposto da definição de ruído: silêncio ≠ ruído. Mas na realidade não é assim tão simples. É que tal como na definição de ruído existem várias interpretações (físicas ou musicais) e diferentes tipos de ruído, também na noção de silêncio encontramos diversidade. Então se silêncio é ausência de barulho, de ruído, se estivermos a ouvir Bach é silêncio? Ou a música de Bach é ruído? E se estivermos a ouvir o chilrear de um rouxinol? É barulho? E, se não é, é silêncio? E duas pessoas a conversarem: é barulho, ruído ou silêncio? Ou nenhuma destas opções? Reparemos de que forma o compositor John Cage, que escreveu uma composição só de silêncio intitulada 4´33´´ e que abordaremos mais a seguir, no diz sobre o silêncio:
“a experiência sonora que eu prefiro, a todas as outras, é a experiência do silêncio. E o silêncio, em quase toda parte do mundo actual, é o tráfego. Se você ouvir Beethoven ou Mozart, você vê que é sempre a mesma coisa. Mas se você ouve o tráfego, é sempre diferente” .
É interessante observarmos em pormenor algumas subtilezas desta sua afirmação, a começar por quando ele diz que a experiência do silêncio é uma experiência sonora. Depois dá-nos como exemplo de silêncio, o tráfego, e que este, contrariamente a Beethoven e Mozart que são sempre iguais, é sempre diferente, numa alusão à aleatoriedade do tráfego, e à rigidez da escrita musical de uma partitura musical. Diz-nos ainda Cage:

“o silêncio é todo o som não intencional. Não existe silêncio absoluto. Assim, o silêncio pode incluir na perfeição sons de forte dinâmica, e cada vez mais no século XX isso acontece” .

Reparemos que, em primeiro lugar, Cage considera que o silêncio é um som, embora não intencional; que não existe silêncio absoluto, e que o silêncio pode conter sons de forte dinâmica. Já não bastava o facto de admitir que o silêncio pode conter sons, como ainda por cima podem ser sons de forte dinâmica. Mas será assim tão difícil aceitar afirmações deste teor? Vejamos: sabemos que existem os infra-sons e os ultra-sons. São sons que estão respectivamente abaixo e acima do âmbito da nossa frequência auditiva. Dessa forma, são sons e nós não os ouvimos (o nosso sistema auditivo não foi concebido para os escutarmos). A única coisa de que temos a certeza é de que não existe silêncio absoluto (excepto no vácuo e na percepção de máquinas sob condições acústicas especiais, condições essas só existentes num local que se designou de câmara anecóica e que pode ser registado em decibéis, neste caso de zero decibéis; mas mal esteja presente um ser vivo, esse silêncio absoluto deixa de existir). Foi por essa experiência que passou o compositor John Cage, constatando que, ao querer escutar o silêncio, afinal escutou dois sons e, depois de descrevê-los ao o técnico de som, ficou a saber que um dos sons (agudo) era o seu sistema nervoso e o outro (grave) era a circulação sanguínea. A partir dessa experiência Cage tinha – segundo ele – a hipótese de seguir pela estrada que todos os compositores tinham escolhido até aí (o de produzirem intencionalmente algo), ou a de ir por um outro caminho nunca percorrido, e que era o da não-intencionalidade (ele queria ouvir o silêncio e o corpo dele não o deixou, criando não-intencionalmente som). Isso levou-o então à realização da peça de silêncio com o nome de 4´33´´ , correspondentes aos minutos durante os quais o ou os intérpretes estão em silêncio sem tocarem no ou nos instrumentos e, dessa forma, os sons que se ouvem são do público e do ambiente que rodeia o espaço da realização da obra: é a não-intencionalidade no seu expoente máximo. Mas como se “escuta” uma obra como a 4´33´´? Segundo James Pritchett, existem duas formas de a audiência lidar com esta peça:

“The first is to pay attention to the acoustic quality of the ambient sound we hear during the piece. “Oh,” we may say to ourselves, “there are all kind of sounds going on in this space that I never noticed before.” We become interested in these noises and what we can detect for those four and a half minutes. This is treating the piece as an aesthetic object, like any other piece of music, only one built out of very unusual materials.” (Pritchett, 2009:174-175).
Encarar a composição 4´33´´como uma outra peça musical qualquer, embora esta seja constituída por “materiais invulgares”. Pritchett ao utilizar “materiais invulgares”, está a referir-se ao uso do silêncio como matéria-prima desta obra. Ora, já desde 1947 os concretistas usavam o ruído nas suas composições. Este também era – na altura – uma “matéria invulgar” sonora. E as pessoas – pelo menos algumas – ouvem essas peças como quaisquer outras obras musicais. Porque haveria de ser esta obra encarada de forma diferente?

“The other common way of dealing with this piece is to think what it might mean: to think about the concept of silence, whether silence even really exists, the philosophical significance of a composer making a work that contains no willful sound, the composer´s silence as a metaphor for any number of things, the political implications of putting the concert audience in this position.” (Pritchett, 2009:175).

Faz-me pensar – esta segunda forma que Pritchett nos diz sobre como a audiência pode lidar com esta obra – no urinol do Duchamp. Também este fez as pessoas questionarem “o que era a Arte”, e se aquela obra era ou não arte. Aliás, de certa forma, pode-se estabelecer uma relação entre o conceito de ready made do Duchamp que tem início com o urinol, e esta peça de Cage – 4´33´´– que, de certa forma, é um ready made sonoro: também aqui Cage nada “cria”; limita-se a usar um som ready made em tempo real pela audiência e meio ambiente onde se desenrola a interpretação. Assim, segundo Pritchett, esta composição,

“Can most usefully be seen as a tribute to the experience of silence, a remainder of its existence and its importance for all of us. But the piece is flawed, however, in that it may suggest that silence is something that can be presented to us by someone else. Ultimately, the experience of silence is not something that can be communicated from one person to another. It cannot be forced into existence externally, and we cannot willfully make it happen.” (Pritchett, 2009:177).

John Tilbury pega na afirmação de Cage de que "não existe silêncio absoluto" e vai mais longe ao dizer que “o silêncio” (seja absoluto ou não) pura e simplesmente “não existe” , o que não deixa de ser uma evolução lógica para o raciocínio de John Cage, pois se não existe "silêncio absoluto" é porque existe um "silêncio audível" e é "audível" precisamente porque contém som e assim sendo esse silêncio é "som" e não "silêncio". Para Chris Cutler o "silêncio é um som que não ouvimos ", o que nos remete novamente para a ideia já iniciada por Tilbury de que "silêncio é um som". Eddie Prevóst diz que

“Silence is the physical condition where a human being notices the absence of any sound. This can be relative. Awareness of small inconsequential sounds may also inhabit silence. In fact there is no silence except perhaps for those who are deaf. Remaining silent within a sound-proofed room, the subject will become aware of the sound of their blood circulating ”.

Já no que diz respeito ao silêncio, Schafer refere que é "ausência de som", quanto a nós, “corrigindo” a definição do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, segundo o qual "silêncio é a ausência de ruído". E diz-nos que o silêncio é "negro". Da mesma forma que na óptica o branco é a soma de todas as cores, o negro é a ausência de cor (som). Para Schafer "o silêncio soa" pois "mesmo quando cai depois de um som, reverbera com o que foi esse som e essa reverberação continua até que outro som o desaloje ou ele se perca na memória" (Schafer, 1992:71). Esta última frase de Schafer parece-nos descrever na perfeição a música de Morton Feldman - cheia de "silêncios reverberados" entre as notas. Esta analogia sinestésica entre o "negro=ausência de cor=ausência de som”, leva-nos a propor que se chame de "ruído preto" ao silêncio, da mesma forma que chamamos de "ruído branco" à "presença de todas as frequências audíveis em um som complexo". E, ao fazermos isso, estamos a considerar o silêncio não um "som" como Cutler, mas um "ruído" (uma espécie de som).
Giancarlo Schiaffini diz-nos que “o silêncio é a música perfeita ”, naquilo que nos parece ser uma visão de acordo com a sabedoria pitagórica, segundo a qual o silêncio não é o vazio nem o contrário de som, mas sim que o silêncio é “Música das Esferas”. Para os pitagóricos o facto de não ouvimos essa “Música Celestial” é como um ferreiro que já não ouve o barulho da bigorna: está tão acostumado que já não lhe dá atenção. É nesse sentido, que uma tal música nos é “silenciosa”.
Murray Schafer pediu a um seu aluno que investigasse sobre a “Música das Esferas” e esta foi a definição a que este chegou:

“A Música das Esferas é uma teoria muito antiga: ela se reporta, pelo menos, até aos gregos, particularmente à escola de Pitágoras. Dizia-se que cada um dos planetas e estrelas fazia música enquanto viajava pelos céus. Pitágoras, que havia elaborado as razões entre as várias harmonias de cada corda sonante, descobriu que havia uma correspondência matemática perfeita entre eles, e, como estava interessado nos céus, notou que esses, do mesmo modo, se moviam de maneira ordenada, conjecturou que as duas coisas eram aspectos da mesma lei matemática perfeita, que governava o universo. Se fosse assim, então, obviamente os planetas e as estrelas deveriam fazer sons perfeitos ao se mover, exactamente do mesmo modo que a vibração da corda produzia harmónicos perfeitos.” (Schafer, 1992:164).

Schafer usa uma frase de Fourier em que este diz que

“o som perfeitamente puro (definido matematicamente), onda sinoidal, só existe como conceito teórico.” (Schafer, 1992:168).

Logo, para Schafer, nós só ouvimos sons “imperfeitos”, ou ainda, como seres imperfeitos que somos, não ouvimos a Música das Esferas. Conclui:

“O que estou dizendo é simplesmente que esses antigos humanistas acreditavam que um som perfeito seria percebido como um silêncio!” (Schafer, 1992:169).

Uma das características que segundo Cage diferenciava os compositores europeus dos americanos, era que estes últimos incluíam mais silêncio nos seus trabalhos. Ou seja: já não nos guiamos só pela melodia, a harmonia e o ritmo, para reconhecermos o estilo de um determinado compositor, mas agora também pelo tipo de silêncio. Aliás - para Cage - não se trata de reconhecer um compositor, mas sim toda uma escola de compositores de um determinado País. Dissemos anteriormente que, tal como o ruído, também existiam vários tipos de silêncio . Em primeiro lugar, gostávamos de constatar que, se não existe silêncio absoluto é porque existe apenas um outro tipo de silêncio a que chamaremos de silêncio audível. Se estiverem duas pessoas, no Inverno, dentro de casa, à noite, jogando xadrez e se tudo estiver calmo, podemos afirmar que estão concentrados devido ao silêncio. Mas se estivermos com os ouvidos bem atentos, veremos que esse silêncio é apenas relativo pois, com concentração, ouviremos o vento e a chuva lá fora, o crepitar da lareira e as suas respirações. Tal como no ruído - também existem variegados tipos de silêncio.
Sabíamos da importância do silêncio na música, em especial na contemporânea, mas é raro ver-se classificar ou analisar os diferentes silêncios dessas obras. Vejamos o caso do silêncio do compositor John Cage e a sua composição 4´33´´: nessa peça, os intérpretes deverão abster-se de tocar no instrumento musical durante um período de 4´33´´ dividido em três secções (Tacet I: 33``; Tacet II: 2´40´´; Tacet III: 1´20´´). Dessa forma, a experiência auditiva dos espectadores é um pouco semelhante à das duas pessoas sentadas a jogar xadrez: estes são intérpretes de uma música silenciosa, mas ouvem as suas respirações, o crepitar da lareira, o vento, a chuva ou o uivar dos cães à distância. Assim, esta composição é sempre diferente, consoante o sítio onde é executada (numa sala de concerto ou ao ar livre) e as pessoas que assistem ao evento. O que ouvimos, ao escutar o “não tocar” dos intérpretes, é tudo o resto.
Mas há outros silêncios. O silêncio - por exemplo - de um outro compositor americano: Morton Feldman. No caso de Feldman, os seus silêncios são constituídos por infindáveis reverberações, como lhes chamou John Tilbury - que é um expert da música de Feldman. Ou seja: embora não haja acção instrumental durante curtos ou longos espaços temporais, o silêncio é constituído por reverberações de acções instrumentais passadas.
Mas há mais: os silêncios de Salvatore Sciarrino ou Luigi Nono. São silêncios de certa maneira idênticos. Aliás, segundo Sciarrino, Nono terá tido um primeiro contacto com esse tipo de silêncio numa obra sua . Silêncios criados a partir de pianíssimos instrumentais ou vocais. Ou seja, o silêncio de Sciarrino e Nono é constituído de sons instrumentais ou vocais quase imperceptíveis, por vezes quase parasitas sonoros, no sentido de que são sons que surgem por serem os instrumentos tocados a fracas dinâmicas. Poderemos definir esse silêncio como sendo um silêncio sonoro subliminal. E, para ouvirmos essa música, necessitamos de uma nova escuta (Carvalho, 2007).
Mas temos que ter muito cuidado com definições absolutistas e, por vezes, redutoras, pois sintetizam apenas uma pequena essência de algo muito mais complexo. Vejamos o exemplo do silêncio “digital”. Certos compositores contemporâneos incluem o silêncio digital - criado artificialmente - nas suas peças. Assim, ao contrário do que acontecia, por exemplo, nos discos de vinil, onde o silêncio era constituído pelo ruído amplificado da agulha sulcando o vinil, agora, com a tecnologia digital, conseguiu-se criar o silêncio total (no que toca ao atrito provocado pela agulha no disco). Se em Cage o silêncio é álibi para se ouvir tudo o resto, neste caso, no silêncio digital, o que se pretende é a audição desse mesmo silêncio.
A etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco refere que, na leitura do Alcorão, o silêncio está meticulosamente delineado; tanto ou mais que a parte escrita. Neste contexto sugeriu como exemplo, a leitura de Al-Sheikh Abdel Basit Abdel Samad.
Todas estas questões e preocupações são recentes, pouco estudadas e analisadas. Daí, no meu entender, a pertinência de as abordar, estudar e, sob um ponto de vista inovador e original, procurar a intersecção de várias ciências e saberes. E, simultaneamente, a reflexão sobre estes conceitos numa perspectiva metafísica, e que o musicólogo Mário Vieira de Carvalho designou de “Pensamentos filosófico-analíticos sobre som”, procurando assim definir o que para uma comunidade de músicos contemporâneos representa o silêncio.

“Talvez não seja legítimo então considerar o silêncio como a condição do som. O dado de partida parece ser sempre um misto de silêncio e de sons, porque, onde encontrar o silêncio absoluto?” (Nattiez, 1984:213).

Nesta frase de Nattiez, só lhe fazia uma minimal alteração: retirava a palavra “silêncio”, na frase “um misto de silêncio e de sons”. É suficiente dizer “um misto de sons”, uma vez que - como o próprio Nattiez diz de seguida: “onde encontrar o silêncio absoluto?” – o silêncio é um tipo de som. Se não existe silêncio absoluto (ou melhor: existe no vácuo e numa câmara anecóica, mas não é nunca presenciado pelo ser humano), o que existe então, é um silêncio audível, um estado sonoro. Aliás é o próprio Nattiez que de seguida afirma:

“Aquilo que pensamos ser o silêncio é, na realidade, um ruído.” (Nattiez, 1984:215).

Um silêncio ruidoso. E não é poesia. Existe mesmo. Como existe também ruído silencioso. Por exemplo o dither noise . Assim, são factos científicos que comprovam a existência destes “silêncios ruídosos” e de “ruídos silenciosos”. Para reforçar a sua ideia, Nattiez, serve-se da seguinte citação de John Cage:

“Graças ao silêncio, os ruídos entraram definitivamente na minha música” (Nattiez, 1984:213).

O que Cage quer dizer com esta frase, é que foi num estado de silêncio, que ele tomou a consciência musical dos ruídos (existentes nesse silêncio, uma vez que já se demonstrou que o silêncio é um estado audível). Depois Nattiez diz-nos que

“existem pelo menos dois tipos de silêncios, o silêncio fora da música e o silêncio na música” (Nattiez, 1984:215).

O que Nattiez nos está a querer dizer, é que existem o silêncio não-organizado e o organizado. Depois diz-nos que dentro do último grupo, o do silêncio na música, existem três categorias:

“O silêncio considerado como obra musical, em que se convida o auditor a escutar os sons que ele contém, os silêncios de expectativa da música clássica, e os silêncios considerados como valor em si na música moderna.” (Nattiez, 1984:215).

No primeiro tipo de silêncio aqui reportado por Nattiez, estariam obras como as de Erwin Schulhoff, ou John Cage (onde nenhum som é produzido); no segundo exemplo estarão todas as peças em que existam pausas entre um movimento musical e outro (e que o auditor perceba que essa pausa não faz parte da música e portanto não é escutada como musical); e no terceiro exemplo estarão todos os compositores contemporâneos que usam o silêncio como forma composicional. Diz-nos Murray Schafer:

“Não há nada tão sublime ou tão atordoante em música, como o silêncio.” (Schafer, 1992:72).

Da mesma forma que se reconhece o estilo de certos compositores pelas gramática e sintaxe do seu som, também actualmente, certos compositores, são reconhecidos pela gramática e sintaxe do seu silêncio audível. De referir que esta divisão do som organizado em três categorias me parece bastante “arriscada”, no sentido de parecer subjectiva. Por exemplo: o primeiro exemplo de silêncio (o do John Cage na sua obra 4´33´´) não poderá ser considerado como “um silêncio considerado como valor em si na música moderna”? O que é que distingue o silêncio do compositor Ligeti na sua obra Nouvelles Aventures, de 1963-65, em que no final da obra o condutor levanta a batuta e mantém-na levantada como se ainda houvesse música para ser ouvida, e o público escuta esse silêncio, e o silêncio da peça de John Cage 4´33´´de 1952 (e não de 1954 como afirma Nattiez neste seu ensaio), em que ele nos pede para escutarmos o silêncio? É a duração temporal? Não poderia o exemplo de silêncio de Cage estar inserido nesta terceira categoria, e assim só teríamos duas categorias? E porquê só três categorias? Não poderíamos incluir, por exemplo, uma categoria dedicada aos silêncios causados por erros dos intérpretes? Se um intérprete se esquecer momentaneamente da obra que está a executar e ficar em silêncio, o público vai escutar esse silêncio (se não conhecer a obra que está a ser executada) como fazendo parte da música (por exemplo no caso de certa música contemporânea ocidental), e assim temos uma nova categoria de silêncio organizado, não referido por Nattiez. E é natural que existam muitas mais categorias, pois na realidade existem diversos tipos de silêncios. Além dos já mencionados silêncios organizados e não-organizados, existem silêncios tónicos e não-tónicos. O exemplo de um silêncio não-tónico é o silêncio do campo, onde se ouvem subliminarmente sons de cigarras, vento, chuva. O exemplo de um silêncio tónico é estarmos no campo em silêncio, mas chegar-nos ao longe de forma subliminal o som de sinos da igreja, ou de cantos religiosos. Murray Schafer, diz que

“Qualquer coisa que se mova, em nosso mundo, vibra o ar. Caso ela se mova de modo a oscilar mais que dezasseis vezes por segundo, esse movimento é ouvido como som. O mundo, então, está cheio de sons.” (Schafer, 1992:124).

Mas ao afirmar que o “mundo está cheio de sons”, refere-se ao facto da inexistência de silêncio absoluto, e que o “mundo” é sonoro. Talvez por isso mesmo, Schafer diz-nos que com a

“intensidade da barragem sonora se ampliando em todas as direcções, tornou-se moda falar de silêncio. Portanto, falemos de silêncio. Nós o estamos deixando escapar.” (Schafer, 1992:128).

Refere depois, todos os

“santuários silenciosos” onde “antigamente” nos podíamos “refugiar” da “fadiga sonora”: “bosques”, “alto-mar”, numa “encosta de uma montanha coberta de neve” (…) “Estava subentendido que cada ser humano tinha o inalienável direito à tranquilidade” (…) “Até mesmo no coração das cidades havia reservatórios de quietude. As igrejas eram esses santuários, e também as bibliotecas.” (Schafer, 1992:128-129).

Repare-se que Schafer, nunca refere o termo “silêncio”, optando antes por “tranquilidade” e “quietude”. E refere-se, claro, ao intenso crescimento daquilo a que Schafer designa por ruído, mas que optaria por um intenso crescimento sónico da nossa sociedade. Não foram só os ruídos que aumentaram. Aumentaram os sons tónicos (hoje ouve-se música em todo o lado); aumentaram os infra e ultra-sons; os sons eléctricos e electrónicos; e existe de facto também, mais ruído.

“Enquanto essas tradições existiram o conceito de silêncio era real e tinha dignidade. Pensava-se no silêncio mais em termos figurativos do que físicos, pois um mundo fisicamente silencioso era, naquele tempo, tão altamente improvável como é hoje.” (Schafer, 1992:130).

Tínhamos mais “silêncio” – diz-nos Schafer -, mas nunca o silêncio “físico” absoluto, pois esse só parece existir no vácuo e no interior de uma câmara anecóica. Aliás, foi depois da sua experiência numa câmara anecóica, que Cage concluiu:

“ O silêncio não existe. Sempre está acontecendo alguma coisa que produz som”. (Schafer, 1992:130).

Cage detectou a relatividade do silêncio. Para Schafer, a partir dessa altura,

“na música tradicional, por exemplo, quando falarmos de silêncio, isso não significará silêncio absoluto ou físico, mas meramente a ausência de sons musicais tradicionais.” (Schafer, 1992:132).

Desta forma, os sons de, por exemplo, a respiração dos músicos, o virar da folha da partitura, ou as tosses da assistência, para Schafer, passam a ser sons musicais não-tradicionais, ou pelo menos, a partir de agora, e segundo ele, tomamos consciência deles e podemos, inclui-los ou não, na música que estamos a presenciar, e portanto considerá-los como musicais.

“Na realidade: silêncio – ausência de som – é negro. Na óptica, o branco é a cor que contém todas as outras. Emprestamos daí o termo “ruído branco”, a presença de todas as frequências audíveis em um som complexo. Se filtrarmos o ruído branco, eliminando progressivamente as faixas maiores de frequências mais altas e/ou mais baixas, eventualmente vamos chegar ao som puro – o som sinusoidal. Filtrando-o, também, teremos silêncio – total escuridão auditiva (…) Se é assim, silêncio é ruído?” (Schafer, 1992:71).

Schafer partilha a minha opinião de comparar o silêncio a um ruído negro (eu chamo-lhe preto, por oposição ao ruído branco). E então questiona: “Será o silêncio um ruído?”. Pois, na realidade, certo tipo de silêncio é ruído. Existe silêncio ruidoso. O silêncio de alguém num deserto, que ouve o som do mar muito subliminarmente, está numa paisagem sonora de silêncio ruidoso. Mas se alguém estiver no campo e ouvir muito subliminarmente uma banda filarmónica a tocar muito distante, esse silêncio é tónico. Por isso, nem sempre o silêncio é ruído. Silêncio pode ser constituído por todo o tipo de som. Segundo José Miguel Wisnik, no seu livro, “O Som e o Sentido”,

“Não há som sem pausa (…) O som é presença e ausência, e está, por menos que isso pareça, permeado de silêncio. Há tantos ou mais silêncios quantos sons no som (…) Mas também, de ordem reversa, há sempre som dentro do silêncio (…)” (Wisnik, 1999:18).

Para Roy Sorensen,

“Hearing silence is successful perception of an absence of sound. It is not a failure to hear sound. A deaf man cannot hear silence.” (Nudds, O’Callaghan, 2009:126).

Quando os corpos vibram, e essa vibração ondulatória é propagada num meio elástico (ar, sólido ou gasoso), produz-se som. Isto se houver seres com sistema auditivo, porque senão são apenas vibrações. O ser humano experiencia som em toda a sua vida. É impossível ao ser humano experienciar o silêncio absoluto. Desse modo, o silêncio na vida e na música é um estado audível, logo um som, um tipo de som. Para Max Diniz Cruzeiro, no seu ensaio O Silêncio , silêncio,

“Representa um estado sonoro em que o receptor não encontra correspondente audível que interfira sobre si ou ao meio ambiente.” (…) “Não existe o silêncio absoluto no meio ambiente, mas existe o silêncio audível.”

Tal como Chion, Cruzeiro fala-nos de um silêncio audível. Depois diz-nos que,

“No meio ambiente o silencio é muitas vezes referenciado ao fato de não ouvir elementos modificadores humanos sobre o meio. Um ambiente é dito em silêncio neste caso mesmo que pássaros estejam cantarolando. Pois eles compõem o ambiente natural. Ouvir o silêncio da natureza.”

Ou seja, para Cruzeiro, o silêncio é um tipo de som. Depois, e para nos dar a absoluta certeza de que não existe tal coisa como o silêncio absoluto, para o ser humano, Cruzeiro refere que

“Pode-se dizer que o silêncio também é a não activação dos sensores orgânicos que interpretam o ambiente. Indivíduos com problemas de surdez conseguem ouvir pelas habilidades vibratórias da pele humana. Portanto não dispõe da capacidade de silêncio absoluto .”

Cruzeiro indica-nos de seguida, que até existem já, geradores de silêncio:

“Algumas empresas como construtoras atualmente possuem equipamentos para a geração de silêncio. Geralmente em grandes construções o ruído é bastante significativo. Tais geradores vibracionais jogam na direção do ruído um contra-ruído capaz de neutralizar as vibrações que geram som. Nem toda a vibração gera som, mas todo som é proveniente de uma vibração inicial. Até que provem o contrário ”.

Repare-se que, da mesma forma que surgiram instrumentos musicais (sintetizadores, samplers) capazes de produzir ruído, agora os músicos têm instrumentos capazes de produzir silêncio, um silêncio audível. Silêncio audível que, “Quanto à intensidade é possível classificar em hertz um nível não audível para sua definição.”. Ou seja, somos capazes de medir o som do silêncio. O silêncio é o instante em que nos apercebemos de que conseguimos ouvir algo.

RUÍDO

 RUÍDO



“Há mais de vinte e cinco séculos, que o saber ocidental tenta ver o mundo. Ainda não compreendeu que o mundo não se olha, entende-se. Ele não se lê, escuta-se” (Attali, 2001:11).

Isto é o que pensa do mundo o filósofo Jacques Attali na sua obra seminal Bruits. “A vida é ruidosa e só a morte é silenciosa” diz-nos Attali exemplificando que

“estar vivo é presenciar o ruído do trabalho, de festa, da vida, da natureza, da revolta, da revolução, da oração, de música ou de dança
” (...) “Com o ruído nasceram a desordem e o seu contrario: a música. Com a música nasceram o poder e o seu contrário: a subversão. O ruído é simultaneamente um instrumento de poder e fonte de revolta” (Attali, 2001:15-16).

Tudo o que é vivo é ruído, segundo Attali. E, para que não fiquem dúvidas da importância que este dá à sua noção de ruído, vejamos o que mais nos diz sobre esta matéria este pensador:

“Nada se passa de essencial no mundo, sem que o ruído se manifeste”. (Attali, 2001:16).

Num dicionário podemos ler a seguinte definição de ruído:

“Som ou conjunto de sons desagradáveis ao ouvido e produzidos por vibrações irregulares, devidos a choque, pancada ou queda”. (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2001:3288),

Nesta enunciação o que nos incomoda é o termo “desagradáveis”. Desagradável para quem? E o que são sons “desagradáveis”? Por outro lado – como veremos num outro capítulo – existe ruído na música, e até música feita só com ruídos. Como podem ser desagradáveis esses sons se são música? E se, como nos diz Attali, “a vida é ruidosa”, então isso significa que a vida é desagradável?
Vamos ver que outros enunciados de ruído nos podem interessar para o nosso estudo e propósito desta tese.
Definir ruído não é tarefa fácil, porque envolve conceitos de ordem fisiológica e psicológica e não apenas de ordem física. Qualquer dicionário nos dirá que ruído é um som muito forte, definição que não nos diz muito. No tempo de Wagner conta-se que quando este tocava no seu piano em sua casa para certas condessas, algumas destas desmaiavam com a intensidade do som. Recordemos que o piano no tempo de Wagner não possuía a intensidade do som dos pianos actuais. Do ponto de vista fisiológico, ruído será todo o som que produza uma sensação auditiva desagradável, incomodativa ou perigosa. Ou que é um som não desejado. E, neste sentido, o ruído será assim. Algo sempre pessoal e subjectivo.
Do ponto de vista físico pode definir-se ruído como: “toda a vibração mecânica de um meio elástico”. Ou ainda, que ruído é um som ou conjunto de sons desagradáveis , ou perigosos, capazes de alterar o bem estar fisiológico ou psicológico das pessoas, de provocar lesões auditivas que podem levar à surdez. No senso comum, a palavra ruído significa barulho ou seja, fenómeno acústico produzido por vibrações irregulares e conjunto de sons discordantes e desarmónicos.
Entre uma definição que nos diz que ruído são “sons desagradáveis” ou outra que enuncia que ruído são “vibrações irregulares”, optamos pela segunda, pois a primeira parece-nos demasiado "subjectiva" - o que é "desagradável" para um pode não o ser para outro - e a segunda diz-nos que “todos os sons cuja vibração não seja regular são um ruído". Ora, um som de um sino é um ruído. E, sendo um ruído - porque as suas vibrações são irregulares e dessa forma é difícil estabelecer uma altura ao som -, por que é que não nos é "desagradável"? Pelo contrário: é usado até em música há milhares de anos. Mas não são "ruídos" os sons produzidos por certos instrumentos de percussão? Podemos dizer, então, que desde sempre a Música usou "ruído"?
Sobre “ruído” diz-nos o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que este é “qualquer som indistinto sem harmonia”, sendo que por “indistinto” devemos entender uma incapacidade de lhe reconhecermos uma altura definida e por “sem harmonia” o facto de estes sons (ruídos) não “obedecerem” à série dos harmónicos (como é característico em certos instrumentos musicais ou na voz humana) devido à irregularidade das suas vibrações.
"Um som que não desejamos " é a definição de ruído para Cutler. Embora prefiramos o termo "desejamos" ao termo "desagradável", achamos necessário questionar: "E quando se usa o ruído em música? Será que nesse momento esse "ruído" passa a ser um "som musical"? Ao que Cutler respondeu:

" It is always sound, but when we talk about common usage, we are in what Wittgenstein would call a language game, meaning that the context (cultural and social) is essential to the meaning. Some communities - who use 'noise' in a positive way, for instance, want to indicate an aesthetic use of material that they think does not belong in - or which actively opposes'- what they think of as 'normal' music: by which they mean organised sound made of fixed pitches and identifiable rhythms in a coherent structure. So, while they also mean sound that is unwanted (by others) it is wanted by them; in other words, they are trying to rescue or liberate 'noise' because they believe it has a meaningful and aesthetic quality. In this, they use 'noise' rather the way XVIII century romantics used the term 'ugly'. Such noise becomes musical material if is employed in a conventionally musical way; hence the 'liberation of the dissonance' (Schoenberg et al), or the extension of careful organisation (Russolo through Varèse), otherwise, in my understanding, it is unhelpful to call it musical. Thus Cage's aleatoric works are not works of music; a new term is needed for new objects intended for aesthetic listening. My soundscape pieces, for instance, are not music, neither are they simply noise, but they are framed and organised sounds intended for aesthetic listening. 'Industrial' music (as it was called in the '70s) and the forms that followed it, used the noise term in a somewhat different way; there was still the romantic connection to 'ugly' as a valid material, but more strongly a connection to a sense of disgust, the abject and annihilation. Arguably this pursues less an aesthetic use of rejected material (a bringing in) than a political or psychological use of it (stressing its out-ness). Lastly, noise is also used to indicate 'uncomfortably loud'. In this context even music can become noise. While most noise is sound in a high entropy state (as music is low entropy), very loud sounds become noise irrespective of their entropic state because of the disabling effect they have psychologically. When it's too loud to think, information becomes meaningless. But, at a physical level, as separation of self from sound recedes, self ceases to exist (or becomes all that exists, it's the same) and one becomes invulnerable. This is not an aesthetic use of sound, but something more primitive, I think" .

Música devir ruído. A música – para Cutler - pode tornar-se ruído, embora num contexto diferente do da visão de Attali. Qualquer música, tocada muito alto (intensidade), transforma-se em ruído. Cutler fala-nos também dos diferentes usos e significados da palavra ruído na língua inglesa. E refere o lado pejorativo com que é conotado muitas vezes o termo.
Na língua francesa ainda parece ser mais confusa a utilização do termo “Bruit”, consoante este é usado na música, musicologia, acústica ou no quotidiano. Michel Chion, à questão “o que é o ruído?”, responde que “le bruit est un mot” e acrescenta:

“Ce mot, em français, (…), désigne une série de notions qui n´ont pas forcement de rapport précis les unes avec les autres, et, d´autre parte, ses différentes définitions ne sont pas normalisées.” (…)« Faire du bruit» est un france synonyme de déranger, agresser. «Ne fait pas du bruit» est ce qu´on dit aux enfants français, tandis que l´anglais connaît un «be quiet» plus positif. Le bruit est donc immédiatement désigné comme une nuissance, marqué de culpabilité; le bruit est ce qu´il ne faut pas faire. Le mot «noise», lui, est réservé en anglais à tout ce qui est parasite et bruit de fond (dans les techniques de reprodution, il est ce qui qu´il faut éliminer) et à l´acception acoustique du mot bruit. “(Chion, 1998:171).

Nós, na língua portuguesa, quando incomodados por alguém estar a falar alto, usamos a expressão “está calado”, semelhante à expressão inglesa “be quiet”. E, também dizemos muitas vezes, “não façam barulho”, quando queremos, por exemplo, que crianças se portem bem e não incomodem. Sempre parece mais “correcto” utilizar o termo “barulho” em vez de “ruído”. “Barulho” parece referir-se a qualquer tipo de som (ruído ou não), que nos incomode ou que esteja num volume alto. Já utilizar a palavra “ruído” para caracterizar o som de alguém que toca no piano a sonata ao luar de Beethoven às três horas da manhã, parece-nos incorrecto. Dizer “não faças ruído” a alguém que toca suavemente piano, só porque são três horas da manhã, é uma frase errada: os sons que se escutam nessa circunstância, são sons tónicos e com forma de onda regular. São sons chamados até de “musicais”. Como e porquê os vamos chamar de “ruído”? Para Chion,

“Il n´existe pas bien sûr, comme on le sait ou plutôt comme on devrait le savoir, de distintion acoustique absolue entre ce qui est appelé bruit et ce qui est baptisé musique. En revanche, les sons sotés d´une hauteur précise susceptible d´etre repérée par l´oreille et abstraite du son – ceux qui Pierre Schaeffer, dans son Traité des objects musicaux, qualifique de sons «toniques» - semblent avoir, en raison du funcionnement de notre oreille plutôt que de leur simple spécifité physique, une faculté d´ºémerger sur tous les autres osns, des qualités sensorielles précises e fermement dessinés, n´ont pas de hauteur précise. Ils sont d´ailleurs, pour cela, majoritairement exclus ou marginalisés par une bonne partie des systèmes musicaux traditionnels, pas seulement du système occidental.” (Chion, 1998:168).

Aqui deparamo-nos mais uma vez com a oposição dos termos “ruído” e “música”, sendo que “ruídos” são sons “não-musicais” e música contém “sons musicais”, em que por “sons musicais” se entendem sons com altura definida. Ora, um som electrónico de uma lâmpada de néon, pode ser entendido como um tom, um som musical, ou seja, é possível atribuirmos uma altura definível ao som que escutamos: é um ruído tónico. E se esse som da lâmpada possuir uma forma de onda periódica – como é natural que aconteça por ser criado artificialmente – então nem era um ruído, pelo ponto de vista da acústica.
Passados quase 100 anos após a escrita do manifesto de Russolo “Arte do Ruído”, é espantoso como ainda se discute se “ruído” pode ser ou fazer parte da música.
Isto quando existe, desde 1947, a chamada música concreta, que usa objectos sonoros onde se incluem o ruído. Ou a música electrónica, que existe desde 1952, e que, além de ondas sinusoidais, também consegue criar ruídos. Porquê esta “aversão” ao ruído? Porquê toda esta confusão em volta do termo “ruído”? Chion afirma:


“Cette incohérence dans la définition commune, que l´on retrouve aussi dans les ouvrages scientifiques, est trés curieuse.” (…) “Le bruit est allors «confus», comme paraît confuse une langue qu´on n´a pas encore appris à déchiffrer, c´est-à-dire à structurer.” (Chion, 1998:171-175).

O "ruído" tal como o "silêncio", não existe para Tilbury e exactamente pela mesma razão : ambos (ruído e silêncio) são uma "espécie de som" e por isso podemos chamar-lhes simplesmente "som".
Para Murray Schafer - tal como para Cutler - ruído "é um som indesejável" (Schaeffer, 1992:68), mas diz também que

"para o homem sensível aos sons, o mundo está repleto de ruídos" (Schafer, 1992:69).

Ou seja, o mundo para Schafer está cheio de sons indesejáveis. Diz-nos também que

"o ruído é o negativo do som musical" (Schaeffer, 1992:68).

o que não deixa de ser um paradoxo para quem como ele dedicou a sua vida ao estudo de "paisagens sonoras" e que fez do ruído uma parte integrante das suas composições.
Já o “ruído” para Giancarlo Schiaffini “contém música” como “uma pedra de mármore de Carrara para o Michaelangelo” , numa interpretação semelhante à de Attali em que “tudo é ruído” e assim não seria a música que contém ruído, mas sim o contrário: o ruído seria uma pasta de que o ficheiro “música” faria parte, entre outros.
Para Eddie Prevóst “Noise is the audible evidence for some kind of physical movement” .
Recorro mais uma vez ao compositor John Cage, para observarmos como se referia ele ao ruído ainda que com algum humor. No dia em que Cage celebrava o seu sexagésimo aniversário e indo ser interpretadas várias obras suas no mesmo espaço e em simultâneo, um musicólogo - perguntou-lhe: “não tem receio que tanto som em simultâneo resulte em ruído branco?”. Ao que Cage respondeu: “sei que vai ser ruído... mas não sei a cor” .
John Cage nesta resposta mostra-nos através do humor que, para ele, era pouco importante se iria ou não existir ruído na acumulação das suas composições, uma vez que na sua perspectiva o som e/ou ruído são música.
Por outro lado é interessante notar que, aos diferentes tipos de ruído, foram dados nomes de cores, o que nos leva a supor que quem os denominou assim estabeleceu uma relação entre som e cor dizendo-nos então que um ruído branco terá, de alguma forma, uma similitude com a composição da cor “branco”. E o mesmo para as restantes cores e respectivos ruídos.
Já Luigi Russolo acreditava que a vida contemporânea era demasiado ruidosa e que os ruídos deveriam ser utilizados para música. Russolo foi um percursor na Música: a frase “sons organizados” com que define Música, é geralmente atribuída ao compositor Edgar Varèse e posteriormente a John Cage. É dele também a frase

“deliciamo-nos muito mais a combinar nos nossos pensamentos os de sons de comboios, de motores de automóveis ou de grandes multidões, do que voltarmos a ouvir a Eroica ou a Sinfonia Pastorale” (Russolo, 2009:135).

que 50 anos mais tarde seria proferida por Cage e que, provavelmente, este teria lido na tradução francesa de 1954.

Russolo disse:

“Os esplendores do Mundo foram enriquecidos com uma nova beleza - a beleza da velocidade” (Russolo, 2009:134).

antecipando a “dromologia” de Paul Virilio.

Quando dizia,

“Temos que quebrar o círculo apertado dos sons musicais puros e conquistar a infinita variedade dos sons ruidosos” (Russolo, 2009:134).

Antevia o surgimento das músicas electrónica e concreta.
Russolo viu a destruição do sistema harmónico como uma evolução e não como uma revolução. Ele alertou-nos para a necessidade de uma metódica investigação das diferentes categorias de ruído, o que viria a acontecer com o “Tratado dos Objectos Musicais” de Pierre Schaeffer. Os timbres da orquestra sinfónica - para Russolo - ofereciam um limitado espectro sonoro e “estático” - no sentido de que os timbres dos instrumentos eram fixos (havia flexibilidade na altura do som mas não no timbre) - e eram necessários novos instrumentos que permitissem ao compositor regular os harmónicos dos sons e controlar a “cor” da nota musical. Esses instrumentos aparecem em finais da década de 1950, com o surgimento dos primeiros sintetizadores. Russolo foi talvez o primeiro compositor a perceber que o ruído era somente uma forma de onda irregular - com componentes de frequências aperiódicas e que o “tom” e o “ruído” podiam ser unidos num continuum.
Marinetti e Pino Masota (ambos Futuristas como Russolo), no seu Teatro Futurista Radiofónico (1933), discutiam a possibilidade da “amplificação de sons inaudíveis” (uma ideia depois explorada por Cage) e a “amplificação da vibração de seres vivos” (concretizada posteriormente por Pierre Henry que amplificou as ondas cerebrais).

Nattiez observa que

“Pertencem à música, silêncio, sons ou ruídos que os hábitos culturais e convenções tácitas nos fazem considerar como seus.” (Nattiez, 1984:214).

Aqui só alteraria “silêncio, sons ou ruídos”, por “todos os sons”, visto que – como já foi mostrado anteriormente, dizer “silêncio, sons ou ruídos”, é como dizer “preto, cores ou vermelhos”. Sendo que onde está “sons”, substituo por “cores”; onde está “ruídos” altero por “vermelhos” (existe ruído vermelho que é um som rico em baixas frequências), e por oposição, “silêncio” seria ruído “preto” (a quase ausência de frequências do som no som e a ausência de cor na teoria das cores). De notar que o “branco” é, na teoria das cores, a soma de todas as cores (daí chamar-se de ruído “branco” a um som que contém todas as frequências do som), e que o preto é considerado como ausência de cor . O que faz com que esta minha analogia do som com a cor, ou da música com a pintura, não esteja assim tão fora do contexto. Pelo contrário. Ajuda a clarificar.
Nattiez fala-nos de diferentes usos do ruído por parte de vários compositores, e de como um som é considerado ruído em determinada época e noutra não. Conclui depois que,

“Da mesma maneira que a música é aquilo que as pessoas aceitam reconhecer como tal, o ruído é aquilo que é reconhecido como incómodo e/ou desagradável.” (Nattiez, 1984:217).

Música é – para Nattiez – o que as pessoas quiserem que seja, e o ruído é um som “incómodo” e/ou “desagradável”. Já não é mais um som de “forma de onda irregular”, mas são-lhe agora atribuídos caracteres emocionais “negativos”. Mas pergunto eu: o som de uma brisa de vento num campo de papoilas é um som “desagradável”? O som do mar numa praia deserta de uma ilha paradisíaca é “incomodativo”? Acredito que certos ruídos per se possam parecer irritantes a uns e maravilhosos a outros (o caso dos Futuristas, que veneravam e exaltavam o som dos motores dos aviões e automóveis em detrimento da Pastorale de Beethoven, ou quem achasse o acorde final da obra Tristão e Isolda de Wagner um “ruído” por lhes parecer demasiado dissonante), mas nos meus exemplos de sons da Natureza, parece-me existir uma espécie de consenso, de que esses sons, nessas circunstâncias, e para qualquer ser humano seja qual for a parte do planeta em que esteja, não são “desagradáveis” ou “incomodativos”. Mas pode haver sempre excepções, claro.
Diz Russolo:

“Chamamos som ao que é devido a uma sucessão regular e periódica de vibrações; ruído, ao que é devido a movimentos irregulares, tanto no que se refere ao tempo, como à intensidade.” (Nattiez, 1984:219).

Para esta frase ficar mais exacta, acrescentaria a palavra “tónico” logo a seguir à palavra “som”, pois há muitas espécies de sons, e um deles é precisamente o ruído, que nesta frase é colocado como sendo oposto ao som.

“O carácter de continuidade que o som tem em relação ao ruído, o qual nos aparece, pelo contrário, fragmentário e irregular, não é, no entanto, um elemento suficiente para distinguir nitidamente entre som e ruído” (Nattiez, 1984:219).

Mesmo imaginando que Nattiez se refere mais uma vez a som “tónico” quando usa o termo “som”, ele está-nos a dizer que o ruído é “fragmentário”. Ora, o ruído de uma cascata é contínuo e não “fragmentado”. Também o som do vento ou do mar. E isto só usando exemplos sonoros da Natureza. Uma máquina de barbear produz um ruído contínuo. E podíamos estar aqui até acabar esta investigação a dar exemplos de ruídos que não são “fragmentados”. Existem silêncios ruidosos - Wisnik fala-nos de um som

“continuum da natureza, que é ao mesmo tempo silêncio ruidoso” (Wisnik, 1999:35).

e ruídos silênciosos (dither noise). Para Varèse, diz-nos Nattiez,

“os instrumentos de percussão são instrumentos produtores de som e não ruído” (Nattiez, 1984:222).

Esta ideia de Varèse, vem ao encontro da minha teoria acusticológica de que certos instrumentos de percussão produzem ruídos tónicos, e daí a ligação ao som segundo Varèse. São ruído do ponto de vista acústico e físico. Mas são sons acima de tudo o resto. Assim, se são utilizados em música deviam ser considerados “sons musicais”. E, não menos importante, são criação do ser humano (os instrumentos e a manipulação sonora).
Cita de seguida um comentário de um jornalista que depois de assistir à obra Ionazation de Varèse, terá dito sobre os instrumentos de percussão usados por Varése (recordemos que entre muitos instrumentos de percussão, Varèse incluiu vários tipos de sons de sirenes):

“Empregadas por ele, são mais que produtores de som, fazem música” (Nattiez, 1984:222).

Mesmo tendo em conta o espanto que terá sido ouvir pela primeira vez (na música erudita ocidental) uma composição exclusivamente constituída de percussões, criando música, temos aqui uma ligação à minha ideia de enunciado do que é a música, pois de facto o que o jornalista nos diz é que música (naquele caso concreto da obra de Varèse) é som.
Schaeffer é citado por Nattiez afirmando que o compositor concreto deve limitar-se ao

“domínio dos objectos convenientes, aqueles que sentimos instintivamente que são propícios ao musical” (Nattiez, 1984:222).

Ora eu penso que esta frase do Schaeffer é – se assim a quisermos entender – tão naif ou ingénua nos dias de hoje como a definição de música de Rousseau. Para começar, temos a subjectividade dos termos “convenientes” e “propícios”. O que são sons “convenientes”? E “propícios”? Além de conter uma ideia limitadora e redutora, em que certos sons não “convenientes” e não “propícios” estariam excluídos do acto composicional. Uma espécie de apartheid sonoro.
Uma frase muito mais interessante e, quanto a nós, do ponto de vista da acusticologia, correcta, é a que Nattiez escolhe de Cage em que este conjectura se

“não poderemos imaginar que o ruído não será ele próprio a soma de múltiplos sons diversos confusos que se fazem ouvir simultaneamente” (Nattiez, 1984:223).

Quando o compositor Helmut Lachenmann, na sua música concreta instrumental, recria sons da música concreta, executada por instrumentos de uma orquestra clássica ocidental, é isso mesmo que faz: acumular uma frase ou um som de um instrumento, com outro e mais outro, até que, eventualmente, chega por vezes ao ruído branco. Isto consegue ele com instrumentos convencionais da música europeia, como violinos, flautas transversais, piano, trompetes, fagotes, contrabaixos. A verticalidade do ruído, em que cada ponto é um som diverso.
Diz-nos Murray Schafer:

“Comecei a pensar nas muitas confusões que rodeiam a palavra ruído. Era uma questão de dissonância, de intensidade, ou simplesmente de (des)gosto pessoal?” (Schafer, 1992:135).

Este ponto é muito importante, e nele baseio uma teoria minha, que envolve um correcto uso terminológico. Quando Schafer diz:

“O negativo do som musical é o ruído. Ruído é som indesejável. Ruído é a estática no telefone ou o desembrulhar balas do celofane durante Beethoven. (…) Ruído é qualquer som que interfere. É o destruidor do que queremos ouvir (..) “Ruído é qualquer som indesejado”. (Schafer, 1992:69-138).

Se substituirmos o termo “ruído” por “barulho”, tudo fica claro, a fazer mais sentido e mais correcto. Certo rock, free jazz, ou a noise music, usa altas intensidades de volume na sua realização. Mas mesmo alguém incomodado com o som de um tal concerto, deverá dizer: “O som está muito alto” e não “Está muito barulho”.
O termo “barulho” engloba – quanto a mim – toda uma variedade de sons, que não só ruídos. Podem ser pessoas falando muito alto e cujo “barulho” perturba as aulas; pode ser o “barulho” de uma cidade; o “barulho” numa sala de aulas. E, tudo isto, de barulho se trata e não de “ruído”, pois nesse “som” - de automóveis, motorizadas, aviões, multidões -, pode ouvir-se o som de um saxofonista tocando na rua, um rouxinol a chilrear e esses sons em particular (os do saxofone e dos pássaros), não são “ruídos”, são até sons tónicos e um deles proveniente de um instrumento musical.
Enquanto um ruído é um som cuja vibração provoca uma onda de forma irregular, barulho pode ser todo o tal som que “interfere” e que é “destruidor do que queremos ouvir”; do barulho do desembrulhar “balas” de celofane durante Beethoven; do barulho ser qualquer som indesejado. Barulho. E não ruído. Ainda que, como vimos, barulho pode conter ruído ou ruídos. Só que pode conter outros sons que não somente o ruído. Enquanto dizermos a um flautista: “Pára lá com esse ruído”, só estará correcto se ele estiver a usar novas técnicas instrumentais com as quais consiga produzir ruídos, porque de resto o que seria normal seria dizer-se: “Pára com esse barulho”, pressupondo-se que, mesmo que estivesse a produzir sons tonais (e não ruído), estaria a fazê-lo num volume elevado. “Barulho”, em vez de “ruído”, é uma solução para evitar muitos erros ou confusões, em livros de música, musicologia, acústica, filosofia. Veja-se esta confusão em Helmholtz, citado no livro de Schafer:

“A sensação de um som musical se deve ao movimento periódico do corpo sonoro; a sensação de ruído, a movimentos aperiódicos”. (Schafer, 1992:136).

Se quisermos corrigir esta frase, para ficar isenta de equívocos, escreveríamos da seguinte forma: “A sensação de um som tónico se deve ao movimento periódico do corpo sonoro; a sensação de som não-tónico, a movimentos aperiódicos”. E usaríamos o termo “som não-tónico” em vez de ruído, porque, por um lado, existem ruídos tónicos (um sino) e, por sua vez, o termo “som não-tónico” é mais abrangente e refere-se sempre a sons com “movimentos aperiódicos”, o que não é o caso de certos ruídos mecanizados.
Schafer aponta exactamente essa falha a Helmholtz, dizendo que

“segundo a definição de Helmholtz, o som da motocicleta que ouvimos não poderia ser absolutamente considerado um ruído e sim um “som musical”, pois, sendo um veículo mecânico, a motocicleta é, obrigatoriamente, periódica.” (Schafer, 1992:137).
E aqui entramos num campo que pertence mais à linguística: a semântica . Para Wisnik,

“O mundo se apresenta suficientemente espaçado (quanto mais nos aproximamos de suas textura mínimas) para estar sempre vazado de vazios, e concreto de sobra para nunca deixar de provocar barulho." (Wisnik, 1999:19).

Reparemos que Wisnik, prefere usar o termo “barulho” a “ruído”, ao referir-se ao “som” do mundo.
Também Attali, promove a ideia de que

“Vida é ruído” (Attali, 2001:11).

PERSPECTIVA NA MÚSICA

 PERSPECTIVA NA MÚSICA


 
...da mesma forma que falamos em perspectiva em pintura, podemos fazê-lo em relação ao som. Os sonoplastas e compositores americanos de música para filmes, consideravam existir três estratos sonoros: foreground, middleground e background. Foreground era o fulcro sonoro central de uma cena, middleground era o contexto sonoro próximo da figura principal e background o campo sonoro onde se realizava o todo desse plano.
Murray Schafer alterou os termos e chamou-lhes respectivamen
te de figure (onde residia o foco de interesse), ground (o contexto) e field (o sítio onde se realiza toda a acção: soundscape). Para Murray Schafer a "perspectiva" na música pode ser obtida através da "dinâmica". Diz-nos Schafer:

"Quando um compositor quer que algo sobressaia, faz com que isso fique mais forte do que o resto da música" (…) "Foram os pintores do Renascimento que descobriram a perspectiva como um recurso para separar planos mais e menos importantes numa tela" (Schafer, 1992:98).

Schafer explica-nos:

“Qualquer som pode ser figure, ground ou field. Mesmo sons como sinos de igrejas, sirenes e alarmes, podem transformar-se em ground numa grande cidade por exemplo. Tudo depende da posição do ouvinte. Aqui no meu escritório onde escrevemos este texto o martelar das teclas no computador e o hummm do disco rígido são figure; um carro que estaciona à minha porta e as vozes no passeio dos meus vizinhos são ground; enquanto o ruído de tráfego (buzinas, alarmes e travagens) são field” (Leeuwen, 1999:17).

Schafer distingue ainda dois tipos de paisagens sonoras: hifi e lofi. Paisagens sonoras hifi permitem que,

“Sons discretos se ouçam a grandes distâncias por causa do volume de baixa intensidade do ruído ambiente. Pensamos numa muito calma biblioteca, onde se pode ouvir o virar de uma página de um livro a vinte e cinco metros de distância de nós. Nas paisagens sonoras lofi, por outro lado, sons individuais tornam-se pouco nítidos e obscuros (o caso de alguém no interior de um quarto com janelas duplas e que tenta ouvir uma conversa a poucos metros dele).” (Leeuwen, 1999:17).

Neste tipo de paisagem sonora perde-se a perspectiva e torna-se necessária a amplificação se queremos mesmo ouvir algo. Podemos falar assim na existência de silêncios ruidosos (o silêncio audível de uma floresta tropical). Hoje, com a tecnologia, é muito normal vermos isso acontecer nas salas de concertos. Num concerto rock, por exemplo, um cantor que sussurra ao microfone (só que exageradamente amplificado), pode sobrepor-se em dinâmica sonora a todo o resto do grupo (que pode incluir instrumentos como uma bateria, duas guitarras eléctricas, uma guitarra baixo e um sintetizador), como vimos no caso anterior da Bjork.
A perspectiva na música é intensidade e estéreo (espacialização)...

O QUE É A MÚSICA?

O QUE É A MÚSICA?


 
...Ao longo da sua história a Música esteve ligada a diversos actos, como rituais sagrados; foi usada como suporte pelas classes dominantes; ou simplesmente usada como uma forma de arte popular. Hoje, no vasto labirinto em que se cruzaram as múltiplas tendências da vida musical a partir dos anos 1940, estamos rodeados de música: música nas lojas ou grandes centros comerciais, música para conduzirmos, música nos elevadores, música para adormecermos, comer, conversar ou fazer a
mor. A rádio e a TV inundam-nos de música gastronómica, pop/ rock; em menor doses, jazz, ópera, clássica, ou, raramente, música electrónica, concreta, improvisada, serial, etnográfica, minimal.
Assim, o músico de hoje tem ao seu dispor, toda uma multiplicidade de formas musicais e de diferentes civilizações para poder desenvolver o seu trabalho.
Para vermos a real importância que a música tem nas nossas vidas – se é que isso é ainda necessário – tomemos como exemplo uma história passada na Antiga China . Conta-se que o Imperador Shun, de forma a controlar o seu reino e verificar que tudo estava em ordem, todos os segundos meses de cada ano, fazia uma viagem pelo seu reinado. No entanto, não o fazia observando os livros da economia das suas províncias, nem tão pouco vendo a forma de viver das suas populações. Também não interrogava os seus oficiais, nem queria saber o que pensavam os seus súbditos. Ele não utilizava nenhum desses métodos, pois na antiga China havia um método muito mais exacto, revelador e científico para se inteirar do estado do seu reino. De acordo com o antigo texto chinês Shu King, o Imperador ia através dos seus vastos territórios e testava e escutava os exactos tons das suas notas musicais. Regressado ao seu palácio e querendo monitorizar a eficiência da sua governação, não pedia conselhos aos políticos, nem revia a economia ou queria saber do estado da opinião popular (embora por vezes recorresse a esses métodos), antes queria, acima disto tudo, ouvir e testar as cinco notas da antiga escala musical chinesa. Ele pedia a oito músicos que tocavam os oito tipos diferentes de instrumentos chineses e escutava-os interpretando canções populares, bem como composições da corte, e observava se toda essa música estava em perfeita correspondência com as cinco notas. Se o Imperador Shun, nas suas viagens através do seu reino, descobrisse que os instrumentos dos seus diferentes territórios estavam todos com diferentes afinações entre eles, então ele poderia concluir que os próprios territórios em si poderiam começar a divergir entre si, perder a sua unidade e poderem mesmo entrar em conflitos, a menos que a afinação fosse imediatamente corrigida e tornada uniforme em todos os lugares. Ou se a música que ele ouvisse nos diferentes locais lhe parecesse vulgar e imoral, então ele poderia esperar que a imoralidade varresse a nação, a menos que algo fosse feito no sentido de corrigir essa mesma música.
Tal era a importância que na Antiga China era dada à música.
Definir música não é algo fácil de concretizar, pois apesar de ser intuitivamente apercebida por qualquer humano, é-nos impossível encontrar um conceito que contenha todos os significados dessa praxis. Vejamos como o cientista Steven Pinker define música, no seu livro de 1997, intitulado How the Mind Works:

“Music is auditory cheesecake, an exquisite confection crafted to tickle the sensitive spots of at least six of our mental faculties” ( Ball, 2010:3).

Pinker desafia todos aqueles que acreditam na importância da música (e aqui por música referimo-nos à intenção de produzir som, organizado, e visto pelas culturas onde se realiza como um acto musical, independentemente desse povo ter ou não ter o termo música na sua língua, ou sequer existir entre eles o conceito de música) na vida evolucionária do ser humano, dizendo:

“Compared with language, vision, social reasoning, and phisical know-how, music could vanish from our species and the rest of our lifestyle would be virtually unchanged. Music appears to be a pure pleasure technology, a cocktail of recreational drugs that we ingest through the ear to stimulate a mass of pleasure circuits at once” (Ball, 2010:3).

Tão pouca importância para uma coisa que hoje nos parece não podermos viver sem ela. Philip Ball diz-nos que esta frase de Pinker foi interpretada,

“As a chalange to prove that music has a fundamental evolutionary value, that it has somehow helped us to survive as a species, that we are genetically predisposed to be music-makers and music-lovers” (Ball, 2 010:3).

E se Pinker tem razão, mesmo assim, diz-nos Ball,

“you could not eliminate it from our cultures without changing our brains” (Ball, 2 010:5).

E porquê? Segundo Ball, porque

“music is an inevitable product of human intelligence, regardless of whether or not that arrives as a genetic inheritance. The human mind quite naturally pocesses the mental apparatus for musicality, and it will make use of these tools whether we conscously will it or not. Music is something we as species do by choice – it is ingrained in our auditory, cognitive and motor functions, and is implicit in the way we construct our sonic landscape” (Ball, 2010:5).

Segundo Ball, música é

“gymnasium for the mind”. No other activity seems to use so many parts of the brain at once, nor to promote their integration (the tiresome, cod-psychological classification of people as ´left brain` or ´right brain`is demolished where music is concerned).” (Ball, 2010:7-8).

Para o musicólogo Ian Cross,

“Music can be defined as those temporally patterned human activities, individual and social, that involve the prodution and perception of sound and have no evident and immediate efficacy or fixed consensual reference.” (Ball, 20109).

A música contém e manipula o som e organiza-o no tempo. Talvez seja esse o motivo que leva a música a estar sempre fugindo a qualquer definição, pois ao fazê-lo, a música já se alterou, já evoluiu. E esse jogo do tempo é simultaneamente físico e emocional, real e virtual.
Música é, no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, a

“Arte de conjugar os sons” (Verbo, 2001:2556)

e até aqui está em concordância com a definição anterior. Mas depois continua dizendo que esta “conjugação” deve ser feita de “forma melodiosa” e aqui já deixa de “fora” uma enorme quantidade de música que, ou nem sequer tem “melodia” - sendo unicamente rítmica e realizada em instrumentos sem altura definida - como toda uma série de tipologias musicais, como a música electrónica, concreta ou acusmática (para citar só algumas), em que, por vezes, é totalmente ignorado o aspecto “melódico” de determinada composição. E o enunciado continua dizendo-nos que esta “conjugação de sons” deve estar de “acordo com determinadas regras”, o que também é redutor, pois existem estilos musicais e obras que são totalmente alheias a quaisquer regras, como o caso da música intuitiva, da música improvisada e de certa música aleatória.
E por falar em música aleatória: encontramos ainda no mesmo dicionário que por música aleatória entende-se um

“sistema de composição que permite uma certa liberdade ao intérprete, podendo este combinar arbitrariamente alguns fragmentos”. (Verbo, 2001:2556)

Ora, se por um lado é verdade que isso se passa em alguns casos, também não é verdade noutros. Como no caso em que só o acto de criar obedece a um método aleatório composicional, mas que depois no acto interpretativo, este - o intérprete - tenha todos os parâmetros do som definidos e não haja lugar à improvisação ou a qualquer tipo de “liberdade” interpretativa. Para terminar, referir o facto de que este enunciado ainda nos diz que a música é capaz de “exprimir ou despertar emoções”, o que estamos totalmente de acordo, e que é capaz de “evocar certas realidades” e aqui pensamos que faltaria acrescentar “e certas abstracções”, o que é, para nós, um atributo bem mais importante da Música.
No Dicionário Online de Português, encontramos a seguinte definição de “música”: “Arte de combinar sons”. Poderemos pensar que esta definição ganharia com a inclusão de “e silêncios”, mas se - como vimos em Cutler que o silêncio é um “som”, então dispensa-se bem esse “pleonasmo” e aceitamos a definição como das mais sintetizadas e correctas que conhecemos. Mesmo que essa “combinação de sons” seja atingida por via aleatória ou até pela ausência de intenção de combinar seja o que for (como na música de Cage), é sempre uma “arte” que está por trás desses conceitos. No entanto a poesia dita – por exemplo – é uma “arte de combinar sons” e não é música.
Questionado sobre o que é a música, Tilbury diz-nos que "Música é feita pelo e para o homem, usando os sons que precisam e deixando o resto de fora ". Para Cutler "Música é uma linguagem inter-pessoal que produz um efeito abstracto ". Já para Eddie Prevóst,

“Music is the human production of sounds that are beyond the practical activity of survival i.e. finding food and shelter. Music has become a cultural instrument that serves to help humankind explain the world to themselves. The origins of music is embedded within the sounds perceived, copied and abstracted from the observable universe. It probably developed as an aid for ritual and religion. In this respect, it should be no surprise that a modern industrial society begins to adapt the sounds of industry and use them to explain, reveal and perhaps even celebrate (or express regret!) about the new forms of life experiences emerging with in industrial culture ”.
Na sua obra O Som E O Sentido, Wisnik diz-nos não ter querido fazer uma História da Música “no seu sentido mais usual: história de estilos e de autores, suas biografias, idiossincrasias e particularidades composicionais.” e, muito menos, “uma história da música tonal europeia entendida como música universal.”. Wisnik refere que o seu livro “fala do uso humano do som e da história desse uso.”. Ora, a que se refere o autor, quando nos diz que a sua obra nos fala “do uso humano do som”? A resposta parece-me lógica: à Música. A música, como som ordenado pelo ser humano, ou como nos diz Wisnik,

“um livro sobre vozes, silêncios, barulhos, acordes, tocatas e fugas, em diferentes sociedades e tempos.” (Wisnik, 1999:9).

Nattiez discute no seu ensaio “Som/Ruído”, um assunto que tem a ver com: “É uma partitura, música”? Para mim, é tão música, como um guião de cinema é um filme. Mas Dalhaus tem uma opinião diferente:

“Se, por um lado, a obra musical – entendida como associação de sons com sentido – parece, pois, constituir-se só por lá do texto, por outro, o conceito de obra musical, tal como se foi formando entre os séculos XIV e XVIII, implica a ideia de que uma composição fixa em notas não é um simples documento de prática musical, mas – em analogia com um poema – é um texto no significado expressivo e cuja exposição acústica desempenha uma função puramente interpretativa. A obra, que como tal existe também quando não é tocada, estaria portanto contida, em primeiro lugar, no texto e não na execução.” (Dalhaus, 2009:150).

Já Nattiez diz que, “mesmo sabendo que um músico é capaz de ouvir interiormente uma partitura ao lê-la”, refere que, essa
“escuta interior, e logo silenciosa, supõe a preexistência do sonoro; é necessário que ele tenha estado presente mesmo se, na experiência em questão, não é efectivado.” (Nattiez, 1984:213).

Diz Nattiez:

“Pertencem à música, silêncio, sons ou ruídos que os hábitos culturais e convenções tácitas nos fazem considerar como seus.” (Nattiez, 1984:214).

Aqui só alteraria “silêncio, sons ou ruídos”, por “todos os sons”, visto que – como já foi mostrado anteriormente, dizer “silêncio, sons ou ruídos”, ºe como dizer “preto, cores ou vermelhos”. Sendo que onde está “sons”, substituo por “cores”; onde está “ruídos” altero por “vermelhos” (existe ruído vermelho que é um som rico em baixas frequências), e por oposição, “silêncio”, seria ruído “preto” (a quase ausência de frequências do som no som e a ausência de cor na teoria das cores).
De notar que o “branco” é na teoria das cores, a soma de todas as cores (daí chamar-se de ruído “branco” a um som que contém todas as frequências do som), e que o preto é considerado como ausência de cor (enquanto que no som seria no caso do silêncio absoluto, a ausência de frequências). O que faz com que esta minha analogia do som com a cor, ou da música com a pintura, não seja assim tão for a do contexto. Pelo contrário. Ajuda a clarificar.
Depois Nattiez questiona-se:

“Podemos perguntar-nos, com o risco de passarmos por lamentáveis passadistas, se as músicas de tradição oral (que nunca abandonaram a altura, não o esqueçamos)…” (Nattiez, 1984:226).

A quais músicas de tradição oral se refere Nattiez? Aos Pauliteiros de Miranda? Em que sociedades? Quanta música africana – por exemplo - é essencialmente rítmica e muitas das vezes desprovida de instrumentação de altura definida. Quase a finalizar o seu ensaio, Nattiez refere que

“Cage sonha com um mundo harmonioso onde a diferença entre a a vida, a música e os ruídos é abolida.” (Nattiez, 1984:226).

Se para Attali a vida é ruído e a música é ruído, então esta frase de Cage era profética. Se música é ruído e se música é vida, então os sons da vida são música. Logo música é som. Diz Nattiez:

“A música universal não existe” (Nattiez, 1984:226).

É possível que não exista uma música que seja universalmente reconhecida como tal, mas é possível – ou pelo menos pode tentar-se –, chegarmos a uma definição de música que, esta sim, seja universal. Murray Schafer escreveu a John Cage a pedir-lhe a sua definição de música, e esta foi a resposta de Cage:

“Música é sons, sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora de salas de concertos” (Schafer, 2000:120).

Esta definição de música de Cage, é a mais próxima que encontrei da minha própria definição de música, que – na sua forma mais elementar – nos diz: Música é Som. Cage refere “sons” da mesma forma que eu quando refiro “som”, refiro-me a todos os tipos de sons. Depois Cage acrescenta: “sons à nossa volta”. Ou seja: todos os sons disponíveis. E que não necessitamos de estar numa sala de concerto para ouvirmos música. Logo, ele diz-nos que os sons de um parque, do tráfego das ruas de Nova Iorque, ou das cataratas do Niágara, podem ser música. Mas dizer que “música é som”, sem que mais nada fosse dito, será realmente suficiente para definir “música”? Segundo o músico e crítico Chris Cutler,

“But if, suddenly, all sound is ``music," then by definition, there can be no such thing as sound that is not music. The word music becomes meaningless, or rather it means ``sound." But ``sound" already means that. And when the word ``music" has been long minted and nurtured to refer to a particular activity in respect of sound -- namely its conscious and deliberate organization within a definite aesthetic and tradition -- I can see no convincing argument at this late stage for throwing these useful limitations into the dustbin...”

Para Schafer,

“Definir música meramente como “sons”, seria impensável há poucos anos atrás, mas hoje são as definições mais restritas que estão se revelando inaceitáveis. Pouco a pouco, no decorrer do século XX, todas as definições convencionais de música vêm sendo desacreditadas pelas abundantes actividades dos próprios músicos.” (Schafer, 1992:120).

Como quem diz: “menos é mais”. Mais vale arriscar enunciados sintéticos e concisos, que alongar definições e arriscar-se que, o que ontem era uma realidade, hoje já não o ser.
São poucas as definições de música que me satisfazem de um ponto de vista mais científico. Mas, curiosamente, é a definição de um escritor – Victor Hugo - uma das que mais me cativa: “La musique c´est du bruit qui pense”. Repare-se que, do ponto de vista da actualidade, poderíamos analisar que quando Hugo diz que “música é ruído”, é como nos anos 1970 Jacques Attali dizer-nos exactamente a mesma coisa: que a vida é ruído e que, portanto, música é ruído. E quando Hugo lhe acrescenta “qui pense”, significa – quanto a mim – o mesmo que nas definições de música mais actuais, onde música é “som organizado”. Aqui Hugo faz “poesia” e diz-nos que o ruído é “pensante”, ou seja, imbuído de racionalidade. Aliás o nome do livro de Schafer é “ouvido pensante”, o que também pressupõe a tal “racionalidade”. Já a famosa definição de Rousseau, de que música “são sons agradáveis aos ouvidos”, e que hoje tanto faz sorrir certos alunos e professores das escolas de música, bem como músicos e musicólogos, nos parece até ainda bastante eficaz. Repare-se em primeiro lugar: “música são sons”. Até aqui, está igual à do Cage. Depois acrescenta a subjectividade do “agradáveis”. Mas mesmo assim, mesmo com esta subjectividade, não é a música uma arte? E as artes não proporcionam “prazer”? Não nos agradam? Então, toda a música deve – à sua maneira – proporcionar prazer; ser agradável; a cada um de nós. Uns gostarão de ouvir Bach; outros raga indiano; outros noise music; outros free jazz; outros música concreta ou electrónica. E por último, quando diz “ao ouvido”, e supondo que o antropocentrismo estaria bem presente, cremos que Rousseau se refere ao “ouvido” do humano, logo está a “limitar” a arte musical à humanidade (o que continua a ser válido nos dias de hoje, quase por toda a classe musical).
Schafer fala-nos de uma nova “orquestra”, que seria todo o “universo sónico”, e afirma que

“Hoje todos os sons pertencem a um campo contínuo de possibilidades, situado dentro do domínio abrangente da música.” (Schafer, 1992:121).

E acrescenta: “E os novos músicos: qualquer um e qualquer coisa que soe”, fazendo-nos lembrar com esta frase o “How Musical is Man?” de John Blacking, onde sugere a música como algo de inato a todos os seres humanos.
De todas as músicas existentes no planeta é, com certeza, a música contemporânea, aquela que mais faz uso de todos os materiais sonoros que temos à disposição: do silêncio “digital” de um CD, ao ruído gravado de electricidade estática; de um som organizado de um pianista a tocar, a um som não-organizado tónico, de pingos de chuva caindo numa superfície metálica; da flauta ao sintetizador; do infra ao ultra-som. Diz-nos Wisnik:

“A música contemporânea é aquela que se defronta com a admissão de todos os materiais sonoros possíveis: som/ruído e silêncio (…)”(Wisnik, 1999:31).

Roger Scruton adverte que

“Nem todos os sons são música. Há ruídos, gritos, palavras e murmúrios que, ocorrendo na música, não são, em si próprios, música.” (Scruton, 2007:172).

Nesta frase, podemos observar, uma espécie de “paradoxo”, pois se esses sons ocorrem numa música, são com certeza sons musicais. “Gritos”, “palavras” e “murmúrios” fazem parte há milénios da música de muitos povos (seja uma tribo da Amazónia, o canto sussurrado do Burundi, ou mesmo numa ópera de Wagner). Ao afirmar isto Scruton tenta, creio, distinguir entre sons tónicos (sons musicais) e sons não-tónicos (sons não-musicais). Mas, como vimos, o sussurro faz parte da tradição musical dos Burundi; certas tribos da Amazónia usam percussões (instrumentos de altura-indefinida) há milénios na sua prática musical ou ritual; e Wagner usou sons de bigornas numa sua ópera. Quando ouvimos uma conversa entre duas pessoas num café, realmente não estamos a ouvir música. E, nesse sentido, quando ouvirmos essa conversa inserida numa composição de um qualquer compositor de música concreta, esses sons não-musicais, tornam-se em música e portanto, musicais.

“Quando é que o som se torna música? O tom não é factor decisivo: há sons tónicos que não são música (sirenes, toques de sino, linguagens tónicas), e música que não envolve sons tónicos (tambores africanos, por exemplo).” (Scruton, 2007:171-172).

Observamos aqui, a distinção entre sons “tónicos” e “não-tónicos” e que estes não são factores decisivos para a existência ou não de música. Mas o que parece que Scruton nos está a dizer, é que, certos sons não-musicais, são – especialmente nos dias de hoje – apropriados pelos músicos, para a sua música. E ao faze-lo, estes sons, tornam-se em sons musicais. Em música. Concluindo: nem todos os sons são música, mas todos os sons podem ser música, mesmo os que o ainda não são. Scruton tenta-nos explicar melhor o seu ponto de vista, colocando-nos a questão do ponto de vista do ouvinte:

“A abordagem à questão é melhorada colocando outra pergunta: o que é ouvir um som como música? Ouvidos como música, os sons são ouvidos numa relação uns com outros de tipo especial. Aparecem no interior de um ‹‹campo de força›› musical. A transformação é comparável com aquela que ocorre quando ouvimos um som como uma palavra. A palavra inglesa ‹‹bang›› consiste num som. Este som pode ocorrer na natureza, e ainda assim não ter o carácter de uma palavra. O que faz dele a palavra que é, é a gramática de uma linguagem, que mobiliza o som e o transforma numa palavra com um papel específico: ele designa um som ou uma acção em inglês, uma emoção em alemão. Ouvindo este som como uma palavra, ouço o ‹‹campo de força>> fornecido pela gramática. Do mesmo modo, ouvir um som como música não é apenas ouvi-lo, mas também ordená-lo, numa determinada espécie de relação com outros sons efectivos e possíveis. Ordenado dessa maneira, um som torna-se um ‹‹timbre››.” (Scruton, 2007:173).

Ou seja: um som passa a ser “musical”, quando este é “organizado”: seja pelo músico ou pelo ouvinte. Na obra 4´33´´de John Cage, todos os sons se tornam em música, nos ouvidos de quem os experiência, e ainda hoje há quem os não reconheça como “musicais”. Por outro lado, quando Scruton diz que um som assim ordenado torna-se num “timbre” e por isso, em música, refere – quanto a mim - timbre, não de um ponto de vista musical, mas sim filosófico. Vejamos como vê Scruton o timbre:

“Em música os timbres são ouvidos num espaço que lhes é próprio. Não se misturam com os outros sons do mundo que os rodeia, se bem que podem ser afogados por eles. A música existe no seu próprio mundo, e é libertada do mundo dos objectos. Também não ouvimos timbres em música como pertencendo à ordem causal.” (Scruton, 2007:174).

O timbre aqui, é mais que uma característica do som, é uma espécie de “som ordenado pelos seres racionais”, neste caso específico, para Scruton, pelo ser humano.

“O tema principal do último movimento da sinfonia Heróica de Beethoven consiste largamente em silêncios: mas a melodia continua ininterruptamente através destes silêncios, relativamente indiferente à presença ou ausência do som orquestral. É quase como se o som apontasse para a melodia, que existe noutro lugar, num espaço «inútil» que é de si próprio. Eis uma ilustração impressionante da distinção entre o mundo físico dos sons e o mundo ‹‹intencional›› da música.” (Scruton, 2007:177).

Esta diferença entre o som visto do ponto de vista “físico”, e o som observado do ponto de vista “musical”, reside essencialmente, na “casualidade” de um, e na “intencionalidade” do outro. Não basta a um som ser “organizado”, tem de conter nele a “intencionalidade” de ser música. E, essa “intencionalidade”, diz-nos Scruton, é dada pela razão, “os seres racionais”:

“Assim concebida, a música não é apenas um som agradável. É o objecto intencional de uma percepção musical: aquilo que ouvimos nos sons, quando os ouvimos como música.” (…) “Daí que a música possa tanto ser compreendida como incompreendida: compreender é ouvir uma ordem que «decifra» os sons. (…) Esta ordem não faz parte do mundo dos sons: só os seres racionais a podem perceber, uma vez que a sua origem reside na mente consciente de si.” (Scruton, 2007:179-180).

A música para Scruton, é um conceito pertencente aos seres racionais. Agora, se por seres racionais ele se quer referir exclusivamente ao ser humano, isso fica por se saber. Será que a gata Nora , quando toca no piano, não está a produzir música? Ela – a gata Nora – é um ser racional (executa uma série de raciocínios), e, quando toca no piano, parece retirar daí um prazer idêntico ao de um músico que toca uma peça de Beethoven ou dos Beatles. Não estará ela a fazer música? Mesmo que ela não tenha o conceito de música como nós seres humanos? É que há tribos pelo planeta que também não têm o conceito de música (como não têm o conceito de “porta traseira”, no entanto as suas habitações têm uma porta frontal e outra traseira), mas produzem e realizam, aquilo que nós (de outras civilizações) intitulamos de música.
As baleias, segundo April Pulley Sayre, além daquilo a que ela chama de “calls” (“chamamentos”), produzem música. Mas será isso tão impossível assim? Quando etnomusicólogos nos dizem que existem tribos sem o conceito de música ou mesmo o termo “música”, porque nos é difícil admitir isso em outros seres? A gata Nora não parece estar a retirar prazer no que faz? Estas baleias aqui citadas não estarão a “curtir” um “som”? Porquê sempre uma visão antropocêntrica? Porque não nos metemos um pouco no lugar dos outros para variar?
Eu tenho vindo a trabalhar numa definição de música, desde 2009. Essa pesquisa levou-me a questionar o que era o som e a sua matéria-prima. Pretendia uma definição de música universal (válida para toda a música do planeta), intemporal (que valesse para qualquer época da história da música universal desde o seu início até ao presente, e que se mantivesse consistente num futuro), e multi-estilística (que funcionasse para todos os estilos musicais existentes).
Sabia e sei, da dificuldade dos meus objectivos, e da responsabilidade que tal trabalho envolve. Mas, verifiquei pouco tempo depois de iniciar as minhas pesquisas, o quão aprendia com esta actividade minha: não só relacionado com o que é a música, mas sobre som, perspectiva musical, timbre, dinâmica, altura, tempo, espaço.
Quanto mais me envolvia na tentativa de definir música, mais problemas novos me surgiam, e tinha de estudá-los e entendê-los, e, desta forma, o meu entendimento sobre certas matérias ia evoluindo, crescendo. E, com esse conhecimento, vinha também a dúvida, o erro. Não pretendo afirmar que a minha actual definição de música, seja inalterável e definitiva. Pelo contrário, pretendo que esta se mantenha numa espécie de work in progress, e que a vá alterando, conforme pense, que me foi dado a conhecer um novo conhecimento, que me leve a pensar que pode trazer algo de novo ao meu enunciado. Mas estou satisfeito com o trabalho que desenvolvi até ao momento, e vou de seguida tentar mostrar, de forma sintetizada, o raciocínio e método de trabalho que usei, para atingir o estado actual da minha definição de música.
Comecei por pensar qual era a matéria-prima da música: era o som . Então comecei com uma fórmula simples, mas quanto a mim bastante completa e eficaz nos seus propósitos:

M=S

Música igual a som . Esta era a base da minha definição. Não lhe acrescentei o termo “organizado”, pela razão de eu entender que embora toda a música seja organizada, esta – a música – pode em si conter sons não-organizados (uma obra musical que contenha apenas o som do mar, é uma obra musical organizada, que contém uma paisagem sonora não-organizada).
Mas se música era igual a som, tinha de definir som: saber de que era feito. E então numa outra fase, acrescentei à minha fórmula o seguinte:

M=S (SL ∧∨R)

Em que dizia que o som continha silêncio e ou ruído. Ou seja: já considerava na altura o silêncio e o ruído como sendo tipos de sons. Mas o que era o silêncio e o ruído? E que outros tipos de sons existiam? E como relacionar tudo isto com música? Foi então que comecei a usar uma espécie de forma de pensamento ontológico. Comecei por dividir o som em dois grandes grupos: sons organizados e não-organizados; e estes em outros dois grupos: os sons tónicos e não-tónicos. Depois inclui então o silêncio e o ruído, sendo que estes dependiam da perspectiva. E como sons que são – o silêncio e o ruído - também podiam ser organizados e não-organizados, e tónicos e não-tónicos. Faltavam-me também incluir os sons eléctricos e electrónicos, e por fim os infra e ultra-sons. Sendo que todo este som era manipulado pelo ser humano , e que este pertence a determinada cultura (consoante as diferentes culturas, existem diferentes conceitos de música). Eis então como ficou a fórmula actual da minha definição de música:

M=S ⊃ [Sorg (t∧∨~t) ∧∨Sorg (t∧∨~t) ∧∨ {SL org (t∧∨~t) ∧∨ SL org (t∧∨~t) ∧∨R org (t∧∨~t) ∧∨ R org (t∧∨~t)} ⇔P ∧∨ Selt org (t∧∨~t) ∧∨ Selt ~org (t∧∨~t) ∧∨ Seltr org (t∧∨~t) ∧∨ Seltr ~org (t∧∨~t) ∧∨ SI org (i ∧∨ u) (t∧∨~t) ∧∨ SI ~org (i ∧∨u) (t∧∨~t)] ∈ SH ∈ Clt

Música igual a Som, sendo que este contém: Som organizado (tónico e ou não tónico) e ou Som não-organizado (tónico e ou não tónico); Silêncio organizado (tónico e ou não tónico) e ou Silêncio não-organizado (tónico e ou não tónico) e ou Ruído organizado (tónico e ou não tónico) e ou Ruído não-organizado (tónico e ou não tónico), sendo que silêncio e ruído dependem da perspectiva; e ou Som eléctrico organizado (tónico e ou não tónico) e ou Som eléctrico não-organizado (tónico e ou não tónico) e ou Som electrónico organizado (tónico e ou não tónico) e ou Som electrónico não-organizado (tónico e ou não tónico); Som Inaudível (infra e ou ultra sons); e todo este "som" é manipulado pelo Ser Humano (“pertence” ao ser humano) em determinada e específica Cultura (“pertence” a certa Cultura).
Uma vez entendido qual a matéria-prima do som e as suas qualidades, a fórmula poderá ser reduzida para:

M=S ∈ SH ∈ Clt

Música é som, manipulado pelo ser humano , pertencente a determinada cultura. O que faz aqui distinguir a música de outro qualquer som manipulado pelo ser humano e pertença de uma cultura (por exemplo a linguagem falada), mas que não seja – ainda – música, é a intencionalidade em transformar esse som em música. Dessa forma, todos os sons disponíveis ao ser humano, são potenciais materiais sonoros para a concepção e realização musicais, se assim houver essa intenção. Não basta um som ser organizado, tem de haver a intenção de o tornar música. Som devir música...